Insana

Capítulo 1 - LIA

Sabe um daqueles dias tranquilos no parque? Um desses dias em que o clima não está muito quente nem muito frio, o sol não está tão forte mas brilha no céu, não está nublado mas tem nuvens brancas flutuando e brincando com as formas... Era um dia assim quando tudo começou! Eu tinha acabado de me deliciar com um dos meus livros preferidos. Fiquei um tempo contemplando a sua capa vermelha cheia de iluminuras e ilustrações miúdas que lembravam partes da história. Desviei meus olhos para a copa da árvore acima de mim. Eu estava deitada na sombra de um Ipê amarelo todo florido, estava lindo! Me encanta como os Ipês floridos dão vida ao pobre e seco cerrado. São árvores belas e frondosas que ficam com as copas inteiramente amarelas, brancas, rosas ou lilases dependendo do tipo, exalam vida e magia em meio às árvores pequenas, secas e retorcidas.

O vento fresco que soprava em meu rosto e me arrepiava da cabeça aos pés, trazia o ar seco e levemente cortante, com suave cheiro de poeira, que se misturava ao gosto de sangue em minha garganta. A secura em Brasília nessa época do ano é tão grande que mesmo eu que nasci aqui sinto gosto de sangue de vez em quando. Comecei a observar o céu de um azul tão claro e uniforme, transmitia calma e destacava as belas nuvens brancas que se moviam brincando com as formas. "Não há céu mais bonito que o de Brasília" pensei, ele muda tanto ao longo do dia que parece uma bela exposição de arte, cada hora uma pintura diferente, uma explosão de cores, transmitindo um sentimento novo.

As nuvens eram vagarosas e moviam-se tão lentamente para criar formas que até davam sono. Era hipnótico observá-las monótonas e rechonchudas, me deixaram inerte, é como se anestesiassem meu sofrimento, me fizeram esquecer todos os meus problemas. Entrei em êxtase, senti uma imensa paz, mas isso durou pouco. Uma nuvem em especial me chamou a atenção. Ela se movia e mudava de forma numa rapidez impressionante, transmitia uma agonia que me despertou. Comecei a acompanhá-la e percebi que ela repentinamente se soltou do céu e começou a cair. Não sei por que, mas aquilo me deixou extremamente apreensiva. Apoiei minhas mão ao lado do meu corpo e senti uma folha seca esmagada embaixo de uma delas, mordi meus lábios rachados como sempre faço quando estou ansiosa e arranquei uma pelinha seca fazendo um pequeno corte na parte inferior, pude sentir o sutil gosto de sangue.

Quanto mais a nuvem descia, mais nítida ela ficava tomando a forma de um cachorro, até que percebi que de fato era um cachorro que caía. Levantei num sobressalto e corri o mais rápido que pude para salvar o bichinho antes que ele se espatifasse. Tomei impulso e dei um salto pegando-o ainda no ar, mas caí no chão e me ralei toda. Pelo menos o cãozinho estava bem, fiquei feliz por ter conseguido salvá-lo. Ele era pequeno, branquinho e peludo, tinha olhinhos escuros e esbugalhados, pareciam duas jabuticabas bem pretinhas. Ele logo pulou para longe de meus braços, caminhava rebolando com suas perninhas curtas e o rabinho enrolado para cima, com o focinho empinado passava um ar de arrogância. Era tão fofo e parecia tão fraco e indefeso. Fui tomada por um sentimento maternal, queria cuidar dele, dava vontade de apertá-lo. Voltei meu olhar para meus novos machucados e para a minha roupa toda suja de terra, "Valeu à pena!" pensei.

- Por que fez isso? Pareceu uma doida se jogando no chão...- Uma voz fina falou comigo.

Olhei em volta, não havia ninguém próximo, apenas o cachorro. A voz repetiu a pergunta e não acreditei quando percebi que as palavras vinham da boca do animal. Fiquei chocada, levou um tempo para eu encontrar minha voz novamente.

- Você podia simplesmente me agradecer, a final, salvei a sua vida! - Falei irritada

-Ela não corria perigo para salvá-la! - Disse o animal com petulância.

Senti o sangue subir e minhas bochechas corarem de raiva, devia tê-lo deixado espatifar no chão... - Mas você estava caindo!- Falei como se fosse óbvio.