Capítulo Dois.

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Agatha Braga estava em Outono outra vez

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Agatha Braga estava em Outono outra vez. Enfurnada no mais laranja dos continentes. Adstringida por completo no mais puro Outono que poderia pedir. E poderia afirmar, sem relutância, que se encontrava quase tão destruída quanto as folhas alaranjadas que eram esmagadas pelos seus indelicados e indiscretos pés.

O cheiro ao seu redor era de grama molhada, e a paisagem tão familiar quanto seus dois braços magrelos. Sabia de antemão, e comprovara naqueles dias, que não sentira falta alguma de Outono no final, muito menos do que ele representava em seu âmago. No fim, achava que não sentia falta de mais nada. Achava que não sentia mais nada. Bom, nada além da culpa e da tristeza imaculadas em seu peito. Sentimentos tão familiares a si que pensava em patentear seus sentidos e quem sabe fazer dinheiro o suficiente para passar uma noite em um hotel e não em um banco no meio da rua.

Vestida da mesma maneira a semanas, a menina com os cabelos engalfinhados seguia em linha reta por uma floresta sem saturação com nada além de um papel em mãos e o peito palpitante. Sua jaqueta abrigava pingos finos que escorriam pela vegetação alta e depenada. Suas pernas estavam doloridas depois de quase uma hora caminhando sob grama e terra úmida, mas ela evitava olhar muito para ela, para não correr o risco de vislumbrar novamente o pequeno pingo persistente e amarronzado de sangue seco em sua calça. Aquela simetria corrosiva a fazia se lembrar de algum tempo antes, e relembrar do seu passado era quase sempre como arrancar um dedo pouco a pouco com um bisturi. Seu passado era desolador como a falta de vida em meio àquelas matas. E quase tão melancólico quanto a garoa fina que cismava em acumular em seus ombros caídos.

Aquela singela memória a fez inspirar profundamente o forte odor de madeira que a rodeava por completo. Não sabia mais por quanto tempo tinha que caminhar até finalmente chegar ao acampamento. Não sabia ao menos se acharia o que procurava antes do anoitecer. Naquele ponto, não sabia mais o que fazia, ou o que queria, tudo que sabia era que se tinha ido até ali, precisava ir até o final. Afinal, aquela motivação era a única que lhe restava. Achar o acampamento dos mestiços era a única coisa que a mantinha aquecida às noites e a forçava a se manter alimentada. Ela precisava pedir desculpas a cada um que machucara para conseguir engolir aquela nova realidade. Primeiro a família da criança que Luzia havia usado e que havia sido morta por Hydref graças ao seu feitiço. Depois a família de Yanna. Depois a todo o resto.

Parecia idiota, mas ela não tinha nada além de sucumbir a uma loucura ou duas para fazer. Não tinha mais uma casa, não tinha mais roupas, não tinha mais propósitos, não tinha mais ninguém. Depois que Hadassa discutiu com todos que tentaram ajudar e largou Braga com o corpo de Saulo e o inconsciente Dantas, ela percebeu que não queria mais lutar batalhas fadadas a tragédia. Depois que deixou Dantas no hospital, percebeu que não queria mais ter que cuidar de nenhuma pessoa ferida. Depois que participou sozinha de um funeral improvisado feito para Saulo, percebeu que não queria mais matar ninguém. Não queria mais entrar em combates que não podia vencer. Não queria mais ameaçar o deus de Outono e terminar com diversos assassinatos em sua conta enquanto ele duplicava seus domínios. Tudo que ela queria naquele momento era se livrar um pouco da culpa, e pedir desculpas era a única forma que seu pai a havia a ensinado para tal.

O Bailar das Estações | #2 | (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora