Parte III

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– Ficou sabendo do que fizeram com o carro do Acey? Ficou detonado, o cara tá espumando de raiva. – Susan comentou rindo da fofoca enquanto Dora apenas olhava para o corredor cercado de alunos com desinteresse em suas feições.

– Que coisa. – Disse dando de ombros como se nada fosse, apesar de rir de maneira maléfica por dentro. "Bando de bastardos de merda" era o que pensava. Há muito tempo que aquele grupo não lhe descia, seus olhares arrogantes, topetes bem feitos e jaquetas do time da escola lhe causavam asco. Mas bullies? Intimidando Stuart ainda por cima! Era demais para a moral levemente distorcida da garota que não suportava aquele clima de presas e predadores do ambiente escolar. Faria tudo de novo, quem sabe pior se estivesse inspirada nas traquinagens. Colocaria pombos em seus armários e faria buracos em suas mochilas de marca, era somente lhe tirarem do sério.

E ninguém a descobriria, ou ao menos era o que Dora esperava.

Mas não era isso que estava tomando sua cabeça nos últimos dias. Pensava sobre as notas das provas que havia feito, do assento novo que compraria pra sua bicicleta, e pela sensação esquisita de estar sendo perseguida nos últimos dias.

Certo, esse último detalhe era estranho. Talvez fosse só algum capanga do Acey que poderia estar desconfiando dela, algum idiota a rir de suas costas, um grupo de garotas intrometidas a fofocarem sobre ela, ou quem sabe fosse somente impressão sua. De qualquer jeito, Dora achava esquisito o mesmo som de passos atrás de si, além da sensação de estar sendo observada pelas costas. Talvez a lenda urbana sobre os fantasmas que viviam naquela escola fossem reais, quem poderia saber?

Seja um poltergeist ou adolescente idiota, Dora não possuía paciência para brincadeirinhas. E naquele dia de outono após passear por uma prova horrível de Química, a sensação de ser observada e seguida irritou mais a garota do que nos outros dias.

De maneira astuta, parou de forma natural em seu armário, fingindo que o abriria e virando rapidamente o rosto ao perceber que alguém a espiava por trás da fileira de armários. Não conseguiu ver de quem era o rosto, pois assim que se virou o desconhecido se recolheu rapidamente. Com passos leves começou a se aproximar feito um felino até a toca do espião, saltando de repente de forma bruta até agarrar o estranho pela camisa e prendê-lo contra a parede.

– Certo espião de merda o que você... Stuart? – O tom de raiva mudou para uma expressão atônita assim que se deparou com o rosto que tinha mais óculos do que garoto. Stuart parecia tentar não olhar para seus olhos, mas erguia o olhar repetidamente completamente nervoso, com Dora sentindo-o estremecer diante de si, parecendo muito menor do que ele já era.

– O-oi Eudora. – Stuart disse quase num sussurro, parecendo prestes a ter um ataque de nervos. Só então Dora percebeu que ainda o agarrava pela camisa, o soltando com um certo constrangimento do olhar. Mas ainda não se retirava diante dele, parte por querer respostas, mas também por estar hipnotizada pelo cheiro de sabão e livros impregnado de sua pele.

– Por que está me seguindo? – Indagou perplexa, notando o constrangimento da face do garoto aumentar mais ainda. Teria achado adorável, se aquela não fosse uma situação pra lá de estranha.

– E-eu não estava te seguindo! Q-quer dizer, a intenção não era essa... - O garoto se defendeu gaguejando de nervosismo. Pigarreou por mais uns instantes antes de prosseguir com a explicação. – Eu pretendia falar com você... Mas não sabia quando era o momento certo, ou como começar, ou como me aproximar, o que dizer exatamente...

O nervosismo dele era tão palpável que poderia ser até contagioso, fazendo com que até Dora sentisse toda aquela aura de pânico e fuga que fazia parte dele. Deu um leve riso diante de Stuart a encolher mais os ombros, achando exagerado tal comportamento, mas também se questionando se ela poderia parecer tão amedrontadora quanto os outros bullies.

– Não precisa de tanta cerimônia só pra falar comigo. Sabe disso menino gênio. – Disse dando um leve empurrão no ombro do outro que esboçou um leve sorriso, com a tensão começando a se dissipar. Dora não sabia disso, mas era uma das poucas pessoas da qual Stuart não se magoava por ser chamado por aquele apelido, pois ao contrário De Acey e os outros, não havia escárnio naquelas palavras. – Então, o que queria me dizer?

Stuart hesitou por mais alguns instantes, pensando nas palavras que poderia dizer, falando enfim olhando para os próprios pés:

– Eu... Eu sei que foi você que detonou o carro do Matt Acey. Não sei se foi algo que já planejava antes, ou p-por minha causa. Mas, seja o que foi, acabou me tirando de uma enrascada, então... Só queria te agradecer mesmo. – Stuart declarou arriscando erguer os olhos escuros para o rosto de Dora. A garota sentiu o coração palpitar por conta das palavras e daquele olhar que a instigava sem querer. – N-não que eu seja a favor de violência ou coisa do tipo! Só dessa vez é diferente...

Dora riu pela reação quase desesperada de Stuart para se justificar, conseguindo disfarçar o rosto rubro que agora exibia.

- Ah, não foi nada demais. Nunca gostei dessa turma, você só me deu um bom motivo pra incomodá-los. - Disse afastando-se um pouco do garoto, mesmo que sua vontade na verdade fosse se aproximar ainda mais. Mas como não o havia encurralado com esse objetivo, achou pertinente se colocar numa posição longe do espaço pessoal, podendo notar um suspiro de alívio da parte dele ao ver que não estava mais em perigo. – Não poderia deixar o melhor mentor de física entre os coiotes.

– Sou o único mentor de física. – Stuart retorquiu com um riso sem graça, sentindo as borboletas no estômago diante ao simples elogio.

– Pra mim é o melhor de toda forma. – Disse aproveitando a oportunidade, tendo o prazer de ver o ar faltar no outro pela surpresa. A vontade que Dora tinha naquele momento era de apertar suas bochechas, ou de abraçá-lo de forma carinhosa, quem sabe o prensar contra aqueles armários e beijá-lo inteiro. Talvez tudo junto, mas resolveu prosseguir de forma suave como uma pessoa sã. – E da próxima vez, quero que se lembre que a Eudora dentro da sala de reforço é a mesma Eudora aqui nos corredores. Ou melhor, já que somos amigos, sou apenas Dora e pode falar comigo sem problema algum.

De forma amistosa, estendeu sua mão para Stuart como se para firmarem um acordo. O garoto sorriu de forma acanhada, mas pegando em sua mão com firmeza.

Começaram a andar juntos pelos corredores, discutindo sobre as notas e frequências de Dora que precisavam ser melhoradas, ou sobre bobagens simples do cotidiano a arrancar risos um do outro. Não era nenhum encontro dos sonhos, ou um encontro de toda forma, mas ambos não podiam estar mais radiantes como naquele momento.

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Calmaria RebeldeOnde histórias criam vida. Descubra agora