Se havia uma coisa que Dora não era, é indecisa. Sabia muito bem o que sentia, do que gostava e do que não gostava, de quem ia com a cara e de quem desejava atropelar com sua bicicleta. Esta, aliás, que era seu grande xodó, uma BMX que comprou usada e reformou quase inteira e tratava como um filho, em que desde então virou sua marca registrada. Claro que queria na realidade ter uma moto, de preferência alguma Iron da Harley Davidson que era seu maior sonho de consumo, mas ela não tinha dinheiro sequer para conseguir uma habilitação, quem dirá um veículo de verdade.
Porém, mesmo que Dora chegasse pedalando todos os dias na escola repleta de adolescentes mesquinhos ostentando seus motores, ela não se deixava rebaixar por seus risinhos idiotas, na realidade ai de quem ousasse tirar uma de sua cara! Seu mero olhar fulminante era capaz de fazer o melhor dos atletas correrem em desespero diante de sua pessoa. As detenções e suspensões pouco lhe impediam de meter o punho na cara de algum desgraçado, sendo que o governo já não tinha mais onde lhe mandar, visto que já era a terceira escola que frequentava em dois anos, se ferrasse com tudo de novo o próximo passo provavelmente seria o reformatório.
Talvez a única coisa que não tinha certeza, era o que faria da vida. Afinal, o que havia para ela vivendo com a mãe alcoólatra em um estacionamento de trailers? A figura mais próxima de alguém responsável era sua tia que havia se casado com um velho moribundo e ricaço, depois de passar a vida vivendo num bordel. Não era exatamente uma família digna de comercial de margarina.
"Você até que seria bonitinha se desse um jeito nessa aparência de moleque marginal" Era o que Tia Rose costumava dizer, não sendo exatamente o conselho de ouro que Dora esperava. Provavelmente trabalharia como atendente de caixa de mercado a vida inteira mesmo, era melhor que acabar como o restante da família, isso se não conseguisse vaga em uma universidade, algo que estava cogitando se dedicar mais desde que havia sido obrigada a participar de um grupo de reforço por detenção.
Mas naquele momento, a preocupação de Dora não era o seu futuro fadado ao fracasso, mas a certeza que tinha por constatar a paixão inesperada e muito aleatória que teve por um sujeito chamado Stuart Kashyap. Isso era algo que a fez querer ser menos decidida, pois ao menos gostaria de ter a dúvida sobre se estava realmente gostando do seu tutor de física.
– Ele parece um bolinho. Daqueles que uma vovozinha faz para oferecer aos netinhos: fofo, molenga e inofensivo. – Foi como sua amiga Susan o descreveu quando Dora admitiu enfim o porquê de perguntar tanto sobre o garoto nos últimos dias. Aquela havia sido a descrição mais completa que tivera para poder explicar com exatidão quem era Stuart. – Você não pode estar afim de um bolinho Eudora.
– Eu sei! Por isso que é uma droga, é como sei lá, misturar água e óleo como dizem. – Bufou descontente enquanto era apenas analisada com desdém pela colega. – Nem sei como ele me chamou tanto a atenção, você sabe muito bem o tipo de cara com quem já saí antes! Mas tem alguma coisa naquela cara boba e sorridente de garoto certinho que aaaargh. – Dora ficou de cabeça para baixo no trepa-trepa em que as duas se encontravam, resmungando coisas inteligíveis enquanto Susan ria de sua trágica situação. – Ás vezes tenho vontade de vomitar ao vê-lo usando aqueles coletes de lã engomadinhos, ao mesmo tempo em que quero ficar olhando ele escrever no quadro negro o dia todo.
Susan a olhava refletindo a situação enquanto mascava um chiclete, os olhos parcialmente cobertos pelo cabelo crespo e o boné do time de baseball local.
– Você tá muito ferrada garota. – Foi a conclusão genial na qual Susan chegou, fazendo Dora a olhar num tom irônico.
– E quando não?
– Mas como isso aconteceu exatamente? Você é a criatura mais antipática da face da terra e só se comunica comigo e mais três pessoas tão mal encaradas como você. Enquanto ele é um zero a esquerda que anda junto com o time de xadrez e esse tipo de grupo nerd.
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Calmaria Rebelde
Fiksi RemajaEudora Allerton é o que se pode chamar de garota problema, com chances de ser levada a um reformatório se fosse expulsa da terceira escola num período de dois anos. Tentando mudar seu destino cheio de fracassos, resolveu se dedicar a um grupo de ref...