1.Soluço, o Inútil

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Não é exagero dizer que o Arquipélago Barbárico é formado por povos bárbaros, sujos e violentos. Pelo contrário, era exatamente isso.

E Berk era a maior entre as ilhas, abrigando o lendário povo dos Hooligans cabeludos - A tribo mais poderosa e máscula: Homens eram peludos como lobos, mulheres falavam grosso e até bebês tinham pelo no peito.

Esse povo, é claro, tinha um líder. O maior Viking de todos os tempos: Stoico, o imenso.

Era de se esperar que o maior e mais forte Viking desposasse a maior e mais forte Viking de outra tribo, e essa era Valka - que apesar da fama, roubara o coração de Stoico à primeira vista. Juntos, ambos lideravam Berk na justiça - por parte de Valka - e violência - da parte de Stoico. Eles eram imbatíveis. Sincronizados como os ponteiros de um relógio (embora qua nenhum Viking tivesse de fato conhecimento do que era um) e mortais como os tão temidos dragões.

Apesar disso, o tão esperado filho de Stoico não era forte como a mãe ou grande como o pai. Nascido em ano bissexto, símbolo de azar na tradição Hooligan, a pobre criança recebeu o nome de Soluço por ser pequeno, franzino e frágil.

Seguindo a tradição para crianças raquiticas, o bebê Soluço deveria ser abandonado no mar aberto em uma cesta de palha ou jogado do Desfiladeiro da Garganta do Dragão em direção ao mar, mas Valka não permitiu. Tampouco Stoico. Ambos acreditavam na possibilidade de o menino vir a se tornar mais forte com o tempo, embora Gothi, a sábia, não tivesse tantas esperanças.

O frágil bebê foi sentenciado, muitos acreditavam que não sobreviveria uma semana - mas sobreviveu. Então duvidaram de que sobreviveria ao inverno rigoroso de Berk, mas novamente ele os surpreendeu, apesar das dificuldades.

E assim Soluço foi crescendo, superando a própria expectativa de vida dia após dia. Depois de um tempo, desistiram de contar quanto tempo ele viveria (ou perderam a conta, eram poucos os Vikins versados em matemática) e passaram a esperar que ele se mostrasse mais forte ou perecesse - Nenhum dos dois ocorreu, mas quando o herdeiro Strondus completou 3 anos, tosses e febres o atacaram. Não tinha tanta energia quanto as outras crianças, era muito pequeno para sua idade e não importava o quanto tentassem, ele não engordava como os outros, além de acabar de cama por quase tudo - era frágil demais para um viking, fraco demais para um guerreiro, e franzino demais para ser filho de Valka ou Stoico.

A mãe não ligava. Amava o pequeno Soluço com todas as forças, e passava noites acordada tentando acalmá-lo quando os delírios de febre o faziam chorar. Ela o amava como ele era, não como as pessoas diziam que deveria ser.

Mas para Stoico a história era diferente. A decepção era clara em seu olhar toda vez que via o menino em meio às outras crianças. Embora o amasse demais para permitir que falassem mal dele, era muito orgulhoso e idealista para aceitar os problemas que ele carregava. Em sua mentalidade bruta e máscula de viking, Soluço não se esforçava o suficiente.

Então os vikings, vendo que nem mesmo Stoico trazia esperança ao falar do filho, perderam qualquer tipo de respeito ou cuidado com Soluço, e as crianças o apelidaram de Soluço, o Inútil.
Inúmeras vezes Valka tivera que apartar brigas - que eram mais espancamentos que brigas, já que Soluço não resistia - entre seu filho e as outras crianças, e isso o tornava um menino solitário e introspectivo, gerando inúmeras discussões e brigas feias entre Stoico e sua mulher.

Um dia, quando Soluço tinha 8 anos, voltou da pescaria com seu pai - evento que o alegrava muito - trazendo consigo uma febre alta e estômago embrulhado, o que causou uma briga barulhenta entre seus pais.

- O QUÊ?! - Bradou Valka ao escutar de seu marido que ele havia mergulhado Soluço no Rio Lamacento. Era uma tradição, ela sabia, mas Soluço era muito frágil! - POR QUE FEZ ISSO, STOICO?!

- ORA, POR QUE SERÁ? - O Líder Hooligan bradou em retorno - EU NUNCA POSSO LEVÁ-LO A NENHUMA DE NOSSAS TRADIÇÕES DE PAI E FILHO POR CAUSA DA SUA PARANÓIA!

- PARANÓIA? PARANÓIA?!? - Nesse momento Valka explodiu interiormente e quase acertou um soco no marido - STOICO, ELE ESTÁ COM QUARENTA GRAUS DE FEBRE POR CAUSA DA SUA TRADIÇÃO ESTÚPIDA!

- ESTÚPIDA É ESSA PROTEÇÃO QUE VOCÊ TEM COM ESSE GAROTO! ELE TEM QUE APRENDER A SER FORTE E LARGAR DE MANHA!

- VOCÊ SABERIA QUE NÃO É MANHA SE OLHASSE PARA ELE!

Enquanto discutiam, um febril Soluço se encolhia em meio aos cobertores. Tremia muito - de frio e de medo. Odiava gritos muito altos, ainda mais quando eram de seus pais. Apesar de ser novo ele sabia que seu pai não gostava dele. Ou ao menos, não tanto quanto gostava de Melequento.

Eu sou um peso. Pensou o menino, enquanto seu apelido - Soluço, o Inútil - ecoava pela sua mente. Os garotos estão certos.

Com dificuldade ele conseguiu se sentar na cama, ainda enrolado nos cobertores e tiritando de frio. Lentamente ele se levantou e se desenrolou das cobertas e foi até o armário. Colocou seu suéter largo favorito por baixo da blusa que roubara do guarda roupa de seu pai e se cobrindo com o casaco de pele de guaxinim da sua mãe. Que ainda continham o perfume doce que ela trazia consigo. Então o menino suspirou. Vou embora, pensou. Todo mundo vai achar bom se eu sumir.

Ele pegou os remédios que devia tomar e colocou na sua bolsa junto com seu caderno vazio. Pensou que talvez sua mãe fosse gostar de ver seus desenhos se sentisse saudades, já que dizia "eu te amo" com muita frequência.

Se descesse pela escada da cozinha ninguém o veria e ele teria passagem livre para a floresta. Ele se posicionou para descer a escada depois de sair do quarto, mas hesitou. Não queria ir embora. Sentiria saudade, e isso o deixava triste. Se levantou para voltar para a cama mas parou com olhos arregalados ao escutar o grito do seu pai.

- MEU FILHO? AQUILO É UMA DECEPÇÃO! - O garoto paralisou e, embora não visse, sua mãe também. - EU NÃO TERIA UM FILHO, SE SOUBESSE QUE SERIA ASSIM!

As lágrimas desceram sem permissão e Soluço saiu o mais rápido que pôde de casa, disparando em direção à floresta. Correu até que suas pernas doessem, seus pulmões ardessem e seu fôlego terminasse. Terminou caindo perto de uma árvore, puxando o ar com dificuldade e soluçando em prantos ao mesmo tempo. Chorou, chorou, chorou muito. Até que sentiu uma mão em seu ombro e levantou um pouco a cabeça para ver quem era.

Uma garota loira de olhos azuis e feições brutas, mas femininas e bem contornadas. Astrid, uma das únicas pessoas que falavam amigavelmente com Soluço. Ela fitava o garoto com um olhar de cumplicidade, e acariciou seus cabelos castanhos enquanto ele parava de chorar e limpava o rosto com a barra do casaco.

- Como me achou...? - Choramingou Soluço

- Você não corre tão rápido quanto pensa. Te vi saindo de casa. O que houve?

- Eu não deveria ter nascido - ele fungou - Eu só dou problema...

Astrid sabia que não adiantava tentar consolá-lo, então apenas pousou a mão sobre as costas dele e ficou em silêncio, até que ele se pronunciasse. O que demorou, por que agora ele respirava com muita dificuldade.

- P...papai me... - Ele puxou o ar fazendo barulho - Me odeia... - Ele se encolheu e soluçou - Ele disse que eu sou uma decepção...

A loira o olhou, surpresa. Stoico era uma das pessoas que mais odiava que falassem do filho, mas disse uma coisa dessas? Franziu as sobrancelhas e deu tapinhas nas costas do amigo, que tentava respirar apesar do choro que o interrompia. Ficaram em silêncio por um tempo, até uma sombra voar sobre eles. Dragão.



[Data do próximo capítulo: 23/04/19 - Posso tentar adiantar se me pedirem bastante.]

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