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— Katy? Parece que viste um fantasma.

Sentia o corpo todo arrepiado. 

— Não é nada, Nat. Vi uma pessoa... completamente estranha... e ela não tirava os olhos de mim como se me conhecesse.
— Se calhar, tiveste um encontro com uma das tuas vidas passadas — sugeriu ela a gozar.

Hannah bufou.

— Ou tens alguma ligação telepática? — perguntou ela.
— Todos temos — respondi com ar sério. — Só não nos lembramos como a devemos usar.

Nat agitou os braços por cima da cabeça e fez a imitação de um fantasma de uma forma completamente deplorável. 

— A Katy recebe mensagens do Além.
— Não recebo nada.

Senti a mão dela espetar-se nas minhas costelas.

— Lembras-te da senhora Murphy, a nova professora de moral? Tu estavas convencida de que ela tinha um aura má e a mulher acabou por se revelar uma autêntica peste.
— Eu tinha razão em relação a ela — afirmei com um grande sorriso.
— O que é isso? Alguma espécie de dom?
— Não... apenas intuição.

Hannah, sentada ao meu lado no banco, chegou-se mais para mim. 

— Isso ajuda-te a saber quando é que o Merlin se vai declarar?

O meu estômago contraiu-se, como se fosse uma montanha-russa e estivesse quase a despenhar-me numa descida vertiginosa.

— Pensava que isto entre nós não iria dar em nada e, depois, hoje... é estranho... alguma coisa mudou.
— O quê? — perguntaram as duas vozes em coro.

Abracei o corpo com os braços, aconchegando aquela memória como um cobertor.

— Ele olhou para mim de uma maneira incrível. Como se eu fosse a única pessoa à face da terra.

Hannah bateu palmas, entusiasmada.

— Achas que vai acontecer alguma coisa entre vocês?
— Acho que sim — confirmei timidamente.
— Em breve?
— Hummm. A sensação é como quando o trovão e o relâmpago se aproximam muito um do outro e o ar fica completamente carregado de... eletrecidade.
— Outra vez as tuas vibrações mediúnicas?

Estava habituada àquele tipo de gozo e deitei a língua de fora.

— Não preciso delas para o Merlin.
— Como é a aura dele? — perguntou Nat.
— Fabulosamente cristalina, forte e muito pura.

Hannah lançou-me um ar inquisitivo e franziu o nariz.

— Katy, devias estar a dar saltos de alegria, mas tens um ar quase... desolado. 

Agarrei-me ao varão de metal, no momento em que o autocarro parava momentaneamente com um solavanco.

— É que me parece tudo demasiado bom para ser verdade! 

Vi uma mão aproximar-se de mim e pousar na minha testa, mas afastei-a com uma sacudidela.

— Eu sei que parece ridículo, mas a verdade é que não sou o tipo de rapariga que apanhe alguém como o Merlin... um tipo da lista A.
— Quem são esses? — perguntou Nat com um ar complacente.
— Os que têm um bronzeado permanente, madeixas no cabelo, o corpo de quem passa o dia na praia e estão depilados... dos pés à cabeça.

Nat e Hannah deram uma gargalhada e eu fiquei-lhes verdadeiramente reconhecida pela solidariedade. Elas eram amigas íntimas do tipo podes-contar-sempre-comigo, algo que eu nunca tinha conseguido ter, mas andar com elas numa posição marginal parecia funcionar para as três.

Coração de pedraOnde histórias criam vida. Descubra agora