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- Anda alguém a seguir-me! 

Hannah parou de bocejar o tempo suficiente para manifestar a sua surpresa.

- Tens o Merlin, o tipo mais giro da faculdade, e, agora, tens um admirador. Onde é que está o mal? Quem é ele?

- Isso não tem piada - sublinhei, desejando que o pai de Nat abrandasse ao passar nas lombas redutores de velocidade, porque a minha cabeça não parava de bater no tejadilho do carro. - E não é um rapaz... é uma rapariga. Vi-a da janela do autocarro, na rua, no café até já apareceu em minha casa a vender joias.

Vasculhei a mochila e passei o pingente a Nat. Ela revirou-o e ergueu-o contra a luz.

- É bem fixe... Que material é este?

- Acho que é vidro do mar - remoneei. - Vidro do mar esmeralda... exatamente da cor dos olhos dela. Pode ser fixe, mas acho que é um aviso. 

- O que é vidro do mar?

- É vidro vulgar, mas fica opaco e com as arestas macias depois de passar imenso tempo no mar.

Hannah deu uma olhadela ao relógio. 

- Por que razão te faria ela um aviso? Tens a certeza de que já acordaste? São só seis e meia da manhã.

Baixei o tom de voz para garantir que o pai de Nat não ouvisse.

- Acho que ela utilizou uma espécie de... magia comigo, e agora sabe sempre onde estou. 

As gargalhadas foram tão estridentes que tive de tapar os ouvidos.

- Tu és impagável - escarneceu Nat.

Olhei pela janela, mordiscando o lábio.

- Ela está em todos os sítios onde vou, a observar, a escutar, e sabe onde moro. 

- Então, estás mesmo convencida sobre essa coisa... da bruxaria?

- Não lhe chamaria exatamente isso - respondi, desconcertada. - Mas existe nela algo de antinatural. Naquele dia, no autocarro... aconteceu qualquer coisa entre nós as duas, e ando diferente desde essa altura.

As duas fitavam-me com ar perplexo.

- Então... porque é que compraste o pingente? - inquiriu Hannah. 

- Não fui eu. Foi a minha mãe que o comprou para me dar.

- E o que disse a tua mãe sobre ela?

- Que era simpática, competente e persuasiva, mas... não lhes parece estranho que quando a minha mãe foi buscar o porta-moedas, ela... a rapariga... desaparecesse sem receber nenhum dinheiro por isto?

Hannah abanou a cabeça.

- Não estou a perceber. Uma rapariga desconhecida aparece em tua casa e deixa ficar um pingente lindíssimo, quase como se fosse um presente?

- Não o encaro como um presente - murmurei por entre dentes.

- Já chegámos, meninas - anunciou o pai de Nat, ultrapassando os grandes portões do parque rural. Fui percorrida por uma sensação de excitação ao ver todos os carros e carrinhas espalhados no terreno, e as tendas já montadas. Aquela era a maior feira da ladra e venda de artesanato da região, e as três íamos deambular horas por ali à procura de pechinchas. Isso valia bem o esforço de nos levantarmos às cinco da manhã. A ansiedade era tanta que nos atropelámos ao sair do carro, e Nat deu um guincho ao pôr o pé quase em cima de um monte de bosta.

Hannah seguiu a direito para a banca mais próxima e pegou imediatamente num vaso largo, decorado com flores azuis e brancas.

- Parece bastante antigo - proclamou ela com uma expressão afetada - e é capaz de ser eduardiano. Ficava muito bem com uma planta. Vou comprá-lo para a minha mãe.

Coração de pedraOnde histórias criam vida. Descubra agora