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Luke estava a sair do carro quando o táxi arrancou, mas eu tentei escapar-me para casa sem ele me ver.

— O gato comeu-te a língua? — gritou ele para mim. 

Os músculos da minha cara recusaram-se a formar um sorriso. Luke tinha uma expressão tão compreensiva que, sem o prever, rebentei num ataque de choro com soluços convulsivos que me faziam tremer o corpo todo. Em menos de um instante, estava na cozinha de Luke, sentada à grande mesa de carvalho, de olhos postos numa chávena de chá quente e açucarado.

— Não te estou a deixar trabalhar — disse-lhe a choramingar.

Ele deu uma olhadela ao telemóvel. 

— Preciso de estar no tribunal daqui a uma hora, mas tenho tempo para conversarmos. Agora, conta-me o que se passa. Estás com um aspeto horrível. 
— Acabo de chegar da faculdade, porque estava com uma enxaqueca e mandaram-me para casa. Não é nada.
— Kat Rivers, nunca tiveste jeito para mentir. Diz-me a verdade. Se foi aquele namorado que tu arranjaste, eu vou... 
— Não tem nada a ver com ele — repliquei, estremecendo com o sabor doce do chá. — Estou só a ter problemas com uma rapariga na faculdade.
— Conta.

Luke era um ouvinte paciente. Contei-lhe o que tinha acontecido e ele não me interrompeu nenhuma vez, nem defendeu Genevieve como a minha mãe tinha feito, alertando-me para o monstro de olhos verdes dizendo que eu também podia ter culpas no cartório. Vi que ele acreditava totalmente no que lhe dizia e fechei os olhos numa atitude reconhecida. Aquilo significava muito para mim. 

— Achas que as pessoas podem fazer com que as coisas aconteçam? — perguntei a medo. — Coisas mais ou menos... horríveis.

Luke torceu a boca para o lado. 

— Aquilo que eu acho é que se tu fores uma pessoa suscetível e acreditares que... te lançaram uma praga... então, podem acontecer coisas más, mais ou menos como uma profecia que se cumpre por si própria. Mas só porque a tua mente está à espera que isso aconteça.
— O pingente de vidro que ela me deu — referi — está a deixar-me realmente assustada. Parece que muda de cor e... cintila.
— Do género dos vidrinhos que se penduram nas janelas para refletir a luz?
— Talvez — respondi, sem grande convicção.

Luke abanou a cabeça, exasperando. 

— Nunca vou conseguir tirar-te essa fixação por tudo o que seja vagamente mágico, pois não? Desde que tinhas seis anos que era obrigado a ir contigo pedir guloseimas no Dia das Bruxas... e das primeiras vezes até cheguei a carregar a tua vassoura! 

Ri-me e funguei ao mesmo tempo, sem que o meu nariz parasse de pingar. Luke estendeu-me um lenço de papel. 

— De qualquer forma, tu não me metes medo — disse ele a brincar. — Podes fazer-me um bruxedo, azedar-me o leite ou pôr a tua gata à minha frente para eu tropeçar.
— A Genevieve é que anda a fazer bruxedos — retorqui-lhe a fungar. — Desde que ela apareceu, tudo corre mal na minha vida. Apareceram misteriosamente cigarros na minha mochila, e a minha mãe pensa que eu ando a fumar às escondidas e o Merlin é o culpado. Depois, o Merlin e eu tivemos o primeiro mal-entendido, porque eu me mostrei completamente insensível à vida infeliz dessa rapariga, e agora a Hannah e a Nat acusam-me de ser rancorosa e ter ciúmes da... coitadinha da Genevieve.

Luke começou a dar voltas com o braço, fingindo mexer o seu caldeirão, e fez uma tentativa para dar uma risada estridente e medonha.

Mantive o ar sisudo. 

— Muito engraçado. Devia ter seguido o meu primeiro instinto. Eu vi que havia nela algo sinistro. 
— Katy, ela sabe apenas o que tem de fazer para te irritar. Se calhar, descobriu esse teu fraquinho por histórias  com velhas horrorosas e narigudas de chapéu pontiagudo.

Coração de pedraOnde histórias criam vida. Descubra agora