Prólogo

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Já era noite quando ela finalmente conseguiu se despedir de todos e sair no frio de Londres.

As luzes da cidade estavam todas acesas, as pessoas comemoravam a chegada do fim de semana, e ela podia ver a felicidade refletindo liberdade, no olhar de cada uma.

Por mais que quisesse se juntar a elas, hoje especificamente, não era um dia para comemorações. 

Para ela, depois de ter sido demitida do seu trabalho de anos, era um momento de refletir sobre o que diabos ela estava fazendo com a vida. Sabia que procurava por algo, mas até então não sabia o quê.

Aquecida com um suéter do dobro de seu tamanho, ela entrou no primeiro bar de esquina que avistou, certa de que beberia todas e, absolutamente, não conversaria com ninguém.

Infelizmente ela estava errada.

Assim que se sentou no banco, exatamente de frente para o garçom e pediu a bebida mais forte do lugar, uma voz, que vinha bem do seu lado, lhe dirigiu a palavra.

-Noite difícil?

Ela olhou pro lado e se deparou com um estranho, total.

Não que ela conhecesse todos em Londres, mas sua função algumas vezes já foi fazer a maior rede de contatos pessoais possíveis, e esse, ela tinha certeza nunca ter visto, nem mesmo por reflexo.

Antes de responder ela o analisou bem: cabelo castanho claro perfeitamente penteado para trás, jaqueta de couro preta, olhos fixos nas bebidas expostas, uma mão na bebida e outra na perna que não parava de se mexer, barba por fazer e sobrancelhas grossas.

Já tinha lidado com pessoas desse tipo, que parecem perfeitas mas no final só estão quebradas igual todo mundo. Sabia como funcionava, a música tocava de acordo com a dança dele, e não ao contrário.

-Muito. - Respondeu, e apesar de estar ciente de que não iria falar com ninguém, alguma coisa nele a deixou curiosa. - E a sua? - Perguntou, no momento em que sua bebida chegou.

-Minha bebida está ótima, obrigado. - Brincou, fazendo ela revirar os olhos.

-Quis dizer sua noite. - Olhou para sua bebida, sem ter certeza se deveria encará-lo ou não.

-O mesmo. - Respondeu ele secamente, tirando a mão da perna que se mexia freneticamente e apoiando-a no balcão.

-Boa igual sua bebida ou difícil igual minha noite? - Ela disse, logo em seguida se arrependendo da pergunta idiota que fizera.

-Infelizmente, difícil igual sua noite. - Ele deu um longo gole para acabar com sua bebida e pediu outra, fazendo-a ficar confusa sobre o que falar.

-Bom, nesse caso um brinde à noites difíceis. - Levantou seu copo e brindou com o ar, tomando tudo que estava dentro dele em seguida.

-Um brinde. - Falou, depois de vê-la beber com o canto do olho, sem realmente encará-la.

Ela esperou, em silêncio, a conversa continuar e como ele não disse mais nada, fez a pergunta mais estúpida que conseguiu pensar.

-Você não é muito de conversar, né? - Dessa vez, sem se tocar muito sobre o que estava fazendo, virou para ele desafiando-o a olhar para ela.

-Hoje não, mas agradeço a tentativa. - Respondeu ele, percebendo o que ela queria, mas ainda assim não dirigiu um único olhar pra ela.

-Bom, se não queria conversar, primeiramente não deveria ter puxado assunto. - Suspirou e pediu outra bebida, ainda da mais forte.

-Foi uma escolha errada, coisa de momento. - Ele deu um primeiro gole em sua segunda bebida que tinha chegado e acompanhou o suspiro dela.

Depois de minutos em silêncio, apenas apreciando a música da Carlie Hanson que tocava discretamente no bar, ela o ouviu terminando a frase.

-Acontece.

Ela sabia sobre o que ele estava falando, afinal a noite dele também estava péssima e, por mais que ela quisesse o deixar falando sozinho, não deixou.

-Realmente. A primeira escolha errada que fiz essa noite foi entrar nesse bar e me deparar com você.

E foi nesse exato momento que ele engasgou de tanto rir e, pela primeira vez naquele dia péssimo, ela também riu.

-Sabe, - disse ele, ainda vermelho e rindo - você parece uma pessoa mais inteligente que essa frase que acabou de falar.

-Concordo, foi bem clichê me desculpe. - Ela o encarou e dessa vez, ele se virou no banco para também ficar de frente para ela. - Mas obrigada pelo inteligente. - Ainda sorria.

Encarando-o ela sabia que tinha alguma coisa de errado com ele, mas o silêncio se alastrou, ele parou de rir e demorou muito para ela perceber o que realmente era.

Seus olhos.

Involuntariamente ela soltou sua bebida, foi até ele e segurou seu rosto com ambas as mãos.

Seu olho direito era de um azul da cor do mar em um dia de verão às três da tarde, e o seu esquerdo era metade desse mesmo azul e a outra metade era cor de terra. Ele tinha uma praia inteirinha bem ali em seu olhar e ela nunca tinha ficado tão impressionada daquela forma, afinal, praia era o lugar favorito dela, em todo o mundo.

-Heterocromia. - Disse ele, trazendo-a para o mundo real de novo e deixando-a sem graça.

-Desculpa. - Ela tirou a mão de seu rosto e se afastou. - Impressionante.

-É só uma anomalia genética. - Ele ainda a encarava.

-Nunca tinha visto nada igual. - Falou no momento em que seu celular começou a tocar.

Era o alarme que ela usava para saber a hora de parar de trabalhar. Ela o desligou e olhou as horas, dez para uma da manhã.

Terminou sua bebida, pagou o garçom com os últimos trocados que tinha no bolso enquanto ele apenas a analisava, em silêncio.

-Preciso ir. - Ela se levantou e ele a acompanhou.

-Também vou nessa. - Deixou o dinheiro no banco e foi acompanhando-a para fora do local.

Lá fora ainda ventava, e ela fechou seu suéter se encolhendo. Apesar do horário, as ruas ainda estavam barulhentas e isso era o que ela mais amava em Londres. A maioria das pessoas eram noturnas assim como ela, que soltavam a criatividade com o decorrer da noite e criavam, cada uma, seu próprio mundo.

Acenou para um táxi e virou para trás, para se despedir devidamente.

-Obrigada pela conversa. - Sorriu para ele - Sou Anna. - Ela estendeu a mão gelada, fazendo com que ele tirasse uma das mãos do bolso da calça, que estavam lá para espantar o frio. - Anna Edwards.

-Dominic. - Disse ele, apertando a pequena mão congelada dela, no instante em que o táxi parou de frente para eles. - Dominic Sherwood.

Ela o encarava. Sabia que de alguma forma esse nome já tinha passado por ela em algum momento, mas não se preocupou em lembrar.

-Apesar do seu dia, espero de verdade que sua vida seja linda Dominic. - Ficou na ponta dos pés para beijar sua bochecha, fazendo-o corar e sorrir.

-Eu falaria o mesmo, mas parece que você está procurando por algo. - Ele falava enquanto ela abria a porta do táxi surpresa por ele ter de alguma forma, a decifrado. -Espero que encontre o que esteja procurando Anna.

Foi a última coisa que ouviu antes de sorrir e entrar no táxi.

Falou o endereço para o motorista e, sem olhar para trás ficou pensando no que Dominic acabara de falar, mal sabendo que tudo o que ela mais procurava, tinha acabado de encontrar. 

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