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Olho a paisagem que me rodeia, pela primeira vez que me lembro a viagem estava a ser calma, a minha mãe não abriu a boca desde que entramos no carro.

Talvez preocupação ou apenas desaprovação para o que estava prestes a acontecer.

Acho que não estava nos planos da minha mãe que a sua querida e única filha, crescesse e fosse escolher um futuro num hospital psiquiátrico.

 - Não sei porque te vais meter no meio de malucos... - a voz da minha mãe fez-se ouvir pela primeira vez desde que saimos de casa.

 - Já te expliquei mil vezes mãe, é o sitio mais perto de casa e nós não podemos dar ao luxo de desperdiçar dinheiro - falo calmamente como se fosse a primeira vez que lhe dissesse isto.

- Sabes bem que não precisas de fazê-lo, eu consigo dinheiro suficiente para cuidar das duas

- Não é o que dizem as contas e mais contas que temos lá em casa. Mãe, isto é seguro, eu prometo. Além disso se não fosse achas mesmo que iria? - tento tranquiliza-la.

-Tu lá sabes... - a minha mãe falou, agora um pouco mais convencida.

O resto do caminho foi silêncioso, chegamos e eu despedi-me rapidamente dela com medo que ainda quisesse voltar para trás.

Mostrei a minha identificação a um segurança alto e forte e ele deixou me entrar.

Encaminhou-me para um gabinete e mandou-me aguardar pela responsável do estabelecimento.

- Dra. Emily Foster, muito prazer - uma senhora com bata branca e óculos diz-me estendendo a mão.

-Bethany Fields - sorri e apertei-lhe a mão ligeiramente.

- Sente-se por favor, tenho de apenas informá-la das regras que existem aqui antes de começar o seu trabalho.

Assenti.

-Vai ficar com a ala masculina, não se assuste pois está tudo protegido e não corre perigo algum. Não pode abrir apenas se estiver na presença de um segurança, sempre que saem para a sala de convívio os mais perigosos têm de ser algemados, por vezes deixamo-los fumar, têm de tomar os comprimidos, certifique-se que não os escondem debaixo da língua, não se admire, eles fazem muito isso.-Dr.Foster falou sem parar e eu ouvia-a com muita atenção.- Muito bem, oh mais uma coisa, não te apegues demasiado a algum paciente, lembra-te nem toda a gente pode ser salva - aconselha-me.

Fiz uma nota mental daquilo: "Não apegar-me demasiado." Saímos do gabinete e o mesmo segurança voltou acompanhar-nos. Dr. Foster começou a mostrar-me as instalações enquanto me dava mais instruções, não costumo prestar atenção a nada que me dizem, mas desta vez ouvi até os mais simples detalhes. Estava nervosa por estar ali, confesso. Assim que entramos num corredor que não parecia ter fim, começei a ouvir barulhos estranhos desde gritos , ao que pareciam cabeçadas na parede? Agora eu começava a ficar assustada.

 -Tim, pára com isso! - A Dra. Emily bateu na porta de ferro de onde vinham os barulhos e rapidamente eles pararam. 

- Dra. Emily? - Uma voz suave e quase a medo fez-se surgir naquele enorme corredor 

-Sim, Danielle? - Dra.Emily disse com uma voz adorável. - Eu perdi-me...de novo - segui o olhar até uma menina de cabelo escuros e olhos igualmente escuros.Ela era tão pequenina, como é que viria parar aqui? Tinha um olhar tão inocente! Essa minha ideia rapidamente mudou quando o segurança se aproximou dela para a levar para a outra sala, ela desatou aos gritos e a bater-lhe "Não! Não! Por favor não me mande embora! Pare ! Eu mato-te" a sua voz mudava rapidamente, num segundo era uma voz doce e angelical e no outro era rouca e agressiva, mal se notando que pertencia a uma criança tão pequena como ela. - Também temos a ala das crianças,mas não se preocupe com isso, não é o seu trabalho. - Dra. Emily falou enquanto caminhava pelo longo corredor.

Demorei uns segundos a acompanha-la, a criança acabara de chorar e de berrar e ela permanecia calma como se nada tivesse acontecido. Estava fria... Preocupava-me se algum dia me tornaria também fria ao conviver ali, todos os dias. Mas sabia que isso não era possivel pois tudo me tocava e tive que me controlar para não começar a chorar depois de toda aquela situação. Talvez este trabalho não seja para mim... Os meus pensamentos foram interrompidos quando a Dra. Emily perguntou se conseguia lidar com as tarefas que me tinha dado para fazer. Acenei que sim e tentei concentrar-me no que era suposto fazer - Vamos continuar a visita.- ela deu um pequeno sorriso e continuamos. Comecei por distribuir as refeições sob o seu olhar atento. Foi tudo o que fiz durante este meu primeiro dia de trabalho. - Amanhã irás aprender mais. Não penses que vais fazer este tipo de coisas aborrecidas durante o tempo que cá ficares.

Dei um ligeiro sorriso, despedi-me e corri para o carro que se encontrava estacionado mesmo à frente do hospital. Estava a chover, muito conveniente não é? Assim que ia a correr, escorreguei e quase cai mas lá apanhei equilibrio e entrei no carro, depositanto um beijo na bochecha da minha mãe e assim fomos até casa.


pure soul [l.h.]Where stories live. Discover now