NAS TRINCHEIRAS DA SEXUALIDADE

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Como os soldados costumavam passar a maior parte do tempo entre eles, levando-os a ficarem afastados de suas esposas, naturalmente por meras necessidades sexuais da espécie, alguns começaram a desenvolver atrações físicas pelos seus semelhantes, como assim expõe T. E. Lawrence (18), em seu livro – Os Sete Pilares da Sabedoria (19):

As mulheres públicas dos raros assentamentos que encontramos em nossos meses de perambulação não teriam sido nada para nossos números, tampouco sua carne gasta teria sido palatável para um homem de partes saudáveis. Em horror a tal comércio sórdido, nossos jovens começaram, desinteressadamente, a saciar as parcas necessidades uns dos outros em seus próprios corpos limpos – uma conveniência indiferente que, em comparação, parecia assexuada e até mesmo pura. Mais tarde, alguns começaram a justificar esse processo estéril e juraram que os amigos vibrando juntos na areia macia, com as partes íntimas extasiadas em um abraço supremo, encontraram, escondido na escuridão, um coeficiente sexual da paixão mental que unia nossa alma e nosso espírito em um único esforço ardente (LAWRENCE, 1962 apud FERGUSON, 2014, p. 508).

Temos indícios, a partir desse relato, do surgimento do homossexualismo entre alguns soldados, que em última instância, por preferência, optavam pelas "companhias" uns dos outros, utilizando a desculpa de terem corpos muito mais "limpos e puros" do que daquelas mulheres, que eram encontradas nas vielas por onde as tropas habitualmente passavam. Nessas circunstâncias, passou a existir uma divisão entre os homossexuais, pautada pela patente, onde "(...) os oficiais dormiam com oficiais e os soldados, com soldados (...)" (FERGUSON, 2014, p. 508). Nessas novas condições, o que costumava ser atraente em um oficial, era

(...) sua disposição para "enfiar o pé na lama". [Com frequência, os oficiais que despertavam comentários positivos eram os que] "cavavam e enchiam sacos de areia [...] como o resto", [mostravam] "coragem [...] em uma trincheira" e "manuseavam uma pá" (SPIERS; SIMPSON, 1985; SHEFFIELD, apud FERGUSON, 2014, p. 509).

O conceito de beleza nesse ambiente de guerra, não se resumia apenas na aparência física do oficial, e sim, se ele portava também, todas as capacidades e habilidades necessárias para proteger e comandar todos aqueles que estavam sobre sua custódia no exército, levando-se em conta, seu sentimento de proteção. Porém é um erro imaginar, que todos os soldados rasos tinham que obedecer a seus superiores em quesitos sexuais, como assim observa Ivor Gurney (20), nas anotações que fez, ao escutar um diálogo entre o seu oficial e um de seus colegas, enquanto estava nas trincheiras: "– Você acha que poderia se arrastar por ali, Gurney: há um buraco [disse o oficial] – Temo que não sir [disse o soldado raso]" (BOURNE, apud FERGUSON, 2014, p. 509). Por essa conversa, observa-se, que nem todos aceitavam as propostas vindas de seus superiores, não dando importância se eles eram bons generais de guerra, deixando assim, em vigor, o livre arbítrio que ainda lhes restavam de integridade, para aqueles meros homens de fuzis, que não tinham títulos militares para se vangloriarem; mas que por outro lado, se enveredavam em relações sexuais, "com uma boa parte de prostitutas, a julgar pelas memórias (COPPARD, 1969 apud FERGUSON, 2014, p. 513) que levou ao aumento significativo de doenças venéreas, com: "48 mil entre tropas britânicas em 1917 e 60 mil incluindo as tropas dos domínios do Reino Unido em 1918 (BECKETT, 1985; WINTER, 1978; HYNES, 1998 apud FERGUSON, 2014, p. 513), e quando se chegou ao fim da guerra, tiveram-se comprovações "(...) alarmistas de que um em cada cinco soldados tinha sífilis (BUCKLEY, 1977 apud FERGUSON, 2014, p. 513). Mas mesmo que muitos viessem a falecer, de acordo com Niall Ferguson (2014, p. 513), "sempre havia pornografia, masturbação, e em alguns casos, sodomia".

Por todo esse ambiente feito de caos, horror e sofrimento, os soldados acabaram vendo em seus corpos, as fontes mais imediatas e inesgotáveis de todo o prazer, onde somente ao toque do outro, de prostitutas que encontrassem pelo caminho, ou até mesmo ao toque deles mesmos (caso não conseguissem ninguém para se relacionarem sexualmente), poderiam enfim, alcançar o nirvana da saída insuportável da realidade, que habitualmente era composta apenas pela cor preta, devido à convivência incessante com as pólvoras, mas que com o auxilio das relações sexuais, também poderiam vir a fantasiar com a cor branca, que os ajudavam a sonhar pela paz entre as nações em guerra, tendo a finalidade de simplesmente conseguirem voltar para casa com a mente lúcida, porém com grandes chances de seus corpos, na sua estrutura inteiriça, voltarem com indícios de violentação sexual (pelos generais militares), ou pelo segredo de terem por vontade própria, realizado sexo com seus companheiros, e até mesmo, pela "oportunidade", que poderiam vir a violentar algumas mulheres, que logo eram rotuladas como prostitutas, e que consequentemente, eram obrigadas a fazer sexo, com qualquer soldado, que porventura, viesse a cruzar seus caminhos; mas é claro, que todas essas ações tinham grandes chances de nunca virem à tona, para o conhecimento de seus familiares, ficando a encargo somente do militar, de decidir se guardaria suas experiências na sua memória, podendo vir a enlouquecer completamente, em algum hospital psiquiátrico, ou em outra hipótese, optavam em externalizar seus demônios, para quem quisesse escutá-los ou posteriormente lê-los, em futuras memórias de guerra, que alguns se sentiam na missão de passar à posteriori, para que isso nunca mais voltasse a ocorrer novamente na existência humana.


(18) Thomas Edward Lawrence (1888-1935) foi um arqueólogo, militar, agente secreto, diplomata e escritor britânico, que se tornou conhecido, por ser um oficial britânico de ligação durante a Revolta Árabe de 1916-1918. T. E. Lawrence. Wikipédia. Modificado em: 1 de ago. 2014. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/T._E._Lawrence>. Acesso em: 05 de out. 2015.

(19) Esse livro foi escrito entre os anos de 1919 e 1922, sendo posteriormente publicado em 1926.

(20) Ivor Gurney (1890-1937) foi um poeta e compositor inglês que serviu na Primeira Guerra Mundial, e que em 1922, após um momento difícil em sua vida, acabou sendo internado no Hospital Psiquiátrico de Londres, vindo a falecer.     

A Primeira Guerra Mundial (1914-1918): a anatomia de um traumaOnde histórias criam vida. Descubra agora