PRÓLOGO: PRELÚDIO DO CAOS

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A injustiça é amarga, colérica, horrenda. Pode despertar o lado mais irracional do ser humano.

Estamos fadados a depararmo-nos com ela durante toda a nossa trajetória nessa terra, começando pela infância. Seja pelo egoísmo de um irmão com o outro ao não repartir um simples doce; seja pela preferência dos pais pelo filho que se destaca como um aluno exemplar, e o consequente desprezo pelo filho que não; pelo desmerecimento que damos àquelas pessoas que caminharam ao nosso lado para que um objetivo particular fosse alcançado, até, de um modo mais categórico, a culpa e condenação por um crime não cometido.

Todas essas pequenas e grandes injustiças nos afetam em um nível descomunal, não importa se na mente inocente de uma criança imatura ou na corrompida de um adulto amargurado. As sensações posteriores à cenários de injustiça sempre serão as mesmas, sem depender da gravidade do contexto em questão.

O principal sentimento que a injustiça pode trazer, tamanha veemência com que a rejeitamos, é firme, intenso, cheio de força de vontade e determinação. Os românticos obstinados que me perdoem, mas talvez seja ainda mais forte e impetuoso que o amor propriamente dito.

Sim. Estou falando de vingança.

Senti-la estava sendo algo novo para mim, que até então era visto por todos como alguém doce e compreensível. Em outra época eu não rejeitaria esse rótulo. Eu, que sempre deixei claro meu repúdio por esse sentimento tão horrível e autodestrutivo, estava agora sentindo-o retorcer-se em minhas vísceras com cada vez mais gana, destruindo tudo de bom que eu tinha por dentro. E eu não fui capaz de rejeitá-lo.

A primeira incidência desse sentimento dentro de mim foi no caminho de Busan até Seul, algum tempo após a ligação de minha mãe sobre o estado de saúde do meu pai. E numa segunda ligação, movida por sua natureza paranóica, situações hipotéticas para que ele estivesse assim. Ela chorou e gritou de medo, irreconhecível. Eu tentei manter a calma ao passo que tentei acalmá-la, lutando com alguma parte de mim para não me deixar levar pelos seus pensamentos precipitados, como fiz em tantas outras vezes no passado.

O sentimento se agravou quando eu cheguei no hospital. Eu vi a cena através do vidro daquele quarto com horror.

Meu pai se debatia feito uma fera na cama, a pele com um aspecto estranho e esverdeado, veias escuras, quase azuis, e os olhos assustadores, grunhindo e rosnando tal como um animal selvagem enquanto os médicos tentavam amarrá-lo à cama, mesmo que estivessem visivelmente aterrorizados.

Foi um cenário desesperador que só piorava por estar sob os gritos da minha mãe, ao meu lado fora do quarto, que tentava se livrar do aperto dos médicos que a seguravam para impedi-la de tentar fazer o que quer que fosse. Já eu, permaneci com meus dedos embrenhados em meu cabelo enquanto os puxava com força, chocado demais para ter qualquer reação.

Após ser amarrado às barras de ferro nas laterais da cama, ele foi sedado, e então tudo ficou calmo outra vez. Os grunhidos dele e os gritos de minha mãe pararam e, com muito custo, a convenci a ir pra casa ter algum descanso, dizendo para ela não se preocupar. Prometi que cuidaria do meu pai.

Contudo, eu ainda estava com uma sensação muito ruim que me deixava com um nó na garganta e um gosto amargo na boca. Eu estava com medo de que aquela fosse só mais uma paz passageira.

Ainda petrificado no mesmo lugar, observei o médico que estava cuidando de meu pai verificar alguns aparelhos ligados a ele, e esperei até que o mesmo saísse. Quando finalmente o fez, aproximei-me alguns passos, apenas o suficiente para ler "Doutor Kim Seokjin" escrito em seu crachá dourado.

HE(LL)AVEN • JIKOOKOnde histórias criam vida. Descubra agora