HE(LL)AVEN • JIKOOK

CAPÍTULO I: O que te puxa para a superfície?

Um dia inteiro.

Eu estou andando pela cidade há praticamente um dia inteiro e não vi sequer uma pessoa que não quisesse única, selvagem e desesperadamente, arrancar um pedaço meu.

Mas eu não estava surpreso, é claro. Não devem ser muitos os corajosos que teriam coragem de sair pra caminhar e tomar um pouco de ar fresco quando os mortos também estão fazendo isso.

Agora eu estou no subúrbio da cidade. Não há muitos zumbis por aqui como mais para o centro. Há pouco mais de meia hora atrás eu havia deixado a moto encostada na parede de um beco muito discreto, entre um barzinho com vidros estilhaçados - muito provavelmente invadido e roubado como várias outros lugares pelos quais passei durante o dia - e uma típica casa sem pintura.

Estava pedindo aos deuses que fizessem a moto invisível aos olhos de qualquer um, ou que nenhum ser vivo passasse por ali. Pelo menos até eu voltar.

Eu havia a coberto com uma lona meio úmida que havia encontrado nos arredores, e esperava que ela atuasse como uma capa da invisibilidade. Não podia arriscar deixá-la tão exposta e correr o risco de alguém roubá-la ou roubar a gasolina que, na verdade, já estava pouca.

Eu posso estar parecendo um pouco paranóico demais, ou talvez um pouco experiente para minha primeira vez sobrevivendo a um apocalipse zumbi, mas, na verdade (e talvez obviamente), minha experiência se baseia nas dezenas de filmes e séries do tema que eu havia assistido antes desse surto, e até então tudo estava acontecendo de maneira semelhante a esses meios de entretenimento. Desde as descrições abomináveis da aparência dos infectados, até a forma com que o governo lida com a situação. Sempre distante e levando as pessoas a agirem por si mesmas.

Eu agora estou numa rua comercial. Devo ter encontrado com, no máximo, nove zumbis desde duas ruas andadas, mas consegui ser discreto o suficiente para fazer com que não me notassem. Eu não queria gastar bala, muito menos chamar atenção de mais aberrações. Além disso, eu ainda não estava muito confiante com a faca. Posso ser ótimo com artes marciais, mas lutar corpo a corpo não parece útil contra os zumbis.

O silêncio é esmagador. Nem grunhido de zumbi, nem som de árvores balançando com o vento. Nem um mísero ruído. Nada. A única coisa que chega perto de uma presença eram os corpos daquelas coisas caídos ao longo da rua. Contudo, conforme me aproximava, percebi que havia algo estranho.

Durante o dia todo eu havia visto de tudo: cadáver de zumbi decapitado, com as tripas de fora, sem as tripas, com apenas a metade do corpo pra cima, sem um membro ou dois, com a cabeça completamente estourada por uma bala ou esmagada por um carro. Alguns até se rastejavam miseravelmente. Enfim, vísceras e podridão por toda a parte.

Mas nessa rua específica em que estou, cada zumbi caído tem uma fina linha no centro da testa, provavelmente apunhalados uma única vez por faca. Um gesto quase gentil.

Então, agachado, enquanto encaro o zumbi imóvel abaixo de mim, eu paro para pensar, juntando todo o meu senso analítico e meus conhecimentos fajutos de filmes de zumbi.

Se aquela rua era uma rua comercial, e quem quer que estivesse ali ou ao menos tivesse passado tenha se preocupado em limpar o local, provavelmente demoraria algum tempo pegando mantimentos. Aliás, o sangue que saía da testa do zumbi apunhalado abaixo de mim e dos poucos outros naquela rua não parecia tão seco. Então, se eu estivesse certo, talvez houvesse alguma chance de eu encontrar alguém vivo.

Desvio de uma porta de carro jogada no asfalto e vou para o meio da rua. Olho em volta, tentando procurar por algum sinal de pessoas de verdade. Mas tudo o que vejo são os mesmos padrões de vidros quebrados e sinais de arrombamentos. Eu não descobriria nada assim.