Casa nova

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Um ano antes...



Mariane chegou na casa daquela mulher tão ressabiada que sabia, era um perigo ambulante. Entrou tremula e nervosa, mas a velha a esperou pacífica até que ela fizesse tudo ao seu próprio tempo. A casinha era simples, mas amável e cheia de gatos.

Ela lhe mostrou uma cama estreita em um dos quartos – Só morava ela e os gatos ali - mas na manhã seguinte estava enrolada nos felinos no tapete da sala. Era onde se sentia mais ela mesma.

A senhora Dyla nunca disse nada, passou a deixar uma grande manta lá e foi onde Mariane passou a dormir enquanto se recuperava dos arranhados físicos e dos medos emocionais.

A casa era meio afastada da cidade, uma típica casinha bucólica do Norte.

E o mais impressionante era que se sentia bem ali, com aquela mulher silenciosa que sempre bordava o mesmo pano diante da janela. Mas quando as noites chegavam ela se lembrava do porquê fugiu de casa, do porque correu floresta a dentro e viveu quase como uma selvagem até ser resgatada por aquela velha estranha.

Sua mãe tinha lhe salvado daquele homem monstruoso e perdido a vida no processo...

Ela se sacrificara para que Mari pudesse fugir, e agora não sabia mais o que fazer, o que era, o que faria... Mal falava para dizer a verdade, se sentia mais gato do que humano. A velha respeitava seu silêncio e mesmo sem dizer, agradecia a senhora amável que lhe deu casa e comida sem pedir nada em troca.

Então um dia e ela não soube precisar quando, Jaqueline chegou.

A morena era altiva e trazia mantimentos para a velha senhora. A primeira coisa que viu nela foi a saia estranha, longa, branca e aquele colar estranho no pescoço elegante. Ao vê-la, a garota perguntou a velha quem ela era e foi então que Mari teve o primeiro vislumbre do que seria seu futuro modo de vida:

— Ela é como você, minha querida criança, só que assustada, com medo e sem saber por onde ir. Eu estava a sua espera para ajudá-la.

Mari não entendeu de início o que significava e tão pouco a garota de saia branca, botas marrom e coleira explicou. Mas daquele dia em diante ela passou a voltar todas as tardes para se sentar ao seu lado na varanda e assistir ao pôr do sol consigo.

Aos poucos Mari soube que ela era algo como ex esposa do filho da velha que morreu no exterior e por ser viúva, morava temporariamente só, na antiga casa dele não muito longe dali. Mas ela não queria aquilo mais, ela lhe dizia várias vezes...

— Sou uma pet, meu lugar é com um dono, mas o senhor Cai ainda não achou um para mim, eu não posso ir para o centro onde pets em situação se fragilidade ou em transição ficam até ter donos novos, não posso ir para o lar de Sidney, só não posso... Eu amava o Tao, Mari – Ela tinha dito seu nome na terceira visita – Mas eu não posso carregar o branco do luto para sempre. Não posso.

Em uma dessas tardes ela trouxe outra garota junto. Seu nome era Roane, uma morena exuberante e simpática que a fez rir de primeira:

— Olha só essa pet descabelada fofinha! Posso morder?

E foi assim que também conheceu a Roane, vivia como pet também só que tinha acabado de se separar, se chamava de 'gata disponível por tempo limitado' e estava esperando donos novos disputá-la, enquanto morava com uma Ama noona, algo como irmã/irmão mais velho, geralmente parente do antigo dono ou dona dos pets.

Eram muitas regras, leis, coisas complicadas que vivia esquecendo ou dispersando da mente, mas a cada vez aquele modo de vida parecia mais como um modo de vida em que tinha nascido para viver.

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