Os gatos da Sra. Costa- parte um.

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Estava eu, deitado na cama coberto até a cabeça, mais uma noite de insônia, mais um dia em claro, os olhos vermelhos e ardentes, faziam meus olhos lacrimejar constantemente, talvez eu estivesse exausto naquele momento, mas por mais confortável que eu estivesse, o sono não me tomava.
Minha mente alcançou um lugar frio, naquele momento tentei tirar-me dali, mas já havia começado.

-Não seria bom se você pude assassinar a si mesmo?
-Como isso ocorreria?
-Não sei, colocar uma faca em algum lugar e tropeçar em cima, talvez com a barriga, ou com o pescoço, quem sabe a cabeça?
-Mas isso não seria viável, eles notariam que eu coloquei a faca ali.
-Mas imagine agonizar por horas no chão frio, sangrando e sem ajuda. Como seria isso?
Será que seria satisfatório?

Naquele ponto, não pude evitar a imagem do meu corpo nu, jogado no chão, frio, enrijecido, sagrando cada gota de sangue quente que havia há alguns segundos em minhas veias.
Minha mente havia chegado a um ponto onde agia por si só, acredito que as pessoas mais perturbadas tenham essa mesma condição, no meu caso, era apenas a privação do sono.
Dizem que quando você dorme de dia, seu corpo não descansa completamente, que lhe falta algo, a calmaria da noite, para te levar à terra do sonhos.
Eu posso dizer que mesmo não sendo cientista, tive a comprovação dessa teoria. Tenho dormido desreguladamente, e com frequência dado meus cochilos pela manhã, ontem mesmo dormi por umas oito horas, pulei o almoço e o café da tarde, acordei pronto para jantar, mas me faltou o apetite. Mas esse cochilo ainda me fez estar exausto até agora, como eu disse, exausto porém sem sono, se tivesse me ocorrido ter dormido pela noite, mesmo que por algumas poucas horas, eu teria tirado essas moleza esdrúxula de meu corpo com facilidade.
Continuo deitado na maldita cama, como um cadáver decrépito. Tento fugir dos pensamentos que minha mente cansada choca contra meu consciente.

Imagine se você morrer agora, e ninguém notar?
Imagine ficar apodrecendo por dias, talvez semanas.
Você mal saí de sua casa, ninguém notaria.
E se você tivesse um corpo pútrido no outro cômodo.
Olhe, você poderia matar pessoas.
Sabia que dá dinheiro?
Você não estaria sempre quebrado, sem um tustão pra comprar cuecas novas, ou uma comida ruim que te entope as veias do coração, não é mesmo?
Você pode ao menos considerar?

Xingo-me em voz alta. Diabos. Que tipo de mente inventa tanta merda assim?

Bom, não está errado. Pense, se eu realmente quisesse matar pessoas, não seria difícil, as pessoas andam meio idiotas ultimamente, se houver uma oferta de sexo, drogas ou dinheiro fácil, caramba, eu mataria muita gente.
Bom, minha mente é genial, talvez eu devesse passar mais tempo acordado.
Será que estou raciocinando normalmente?
Pensando em matar inocentes?
Inocentes não, pessoas, ninguém é inocente hoje em dia.

Senhora Costa virá cobrar o aluguel hoje, eu disse que o teria até terça, hoje já é quinta, ela sempre deixa que passe dois dias, e sempre vem com "Minha nossa, eu deveria ter vindo aqui há dois dias, não é? Perdoe a cabeça, já estou muito velha!". Ela estaria coberta por pêlos de seus nove gatos, eu teria um ataque de rinite e tentaria desconversar, diria que estou sem o antialérgico em casa e seria obrigado a sair, só para não pagar a droga do aluguel. Eu preciso arrumar um emprego.

-A senhora Costa não tem família, não é?
-Sim, se me lembro bem, seu marido morreu há uns cinco anos, ela recebe um salário dele, porque ele tinha alguma condição especial.
- E seus filhos?
- Ela só teve um, ele não mora por aqui, e não liga com frequência, por isso os nove gatos, supri essas necessidades infernais por carinho e cuidado.
- Ela deve guardar muito dinheiro em casa...
- Deve...
- E se você matá-la? Não deve ser difícil, ela é só uma velha, o que acha? Vamos, eu te ajudo, podemos fazer um plano que será infalível.
- Nada é infalível, nem mesmo eu ou você...
- Eu sou infalível!
- Desde quando? Você mora na minha cabeça, enquanto eu não for infalível, você também não é.
- Pois bem...
- Se eu morrer agora, você morrerá junto a mim. Falhará, como tudo.
- Eu não morrerei, encontrarei outro pobre insonioso e o farei meu refém, assim como fiz com você.

A partir daquele momento, tive meu sono desperto, frustrante, mas aliviador. Quando minha mente tomou proporções tão assustadoras à mim mesmo? Será que eu estava vendo com clareza o que aquelas noites em claro estavam me transformando?
Fechei meus olhos, rapidamente, fazendo os pensamentos irem embora.

Aquele dia, sonhei com borboletas num campo de narcisos.

Delírios de uma mente quase sãOnde histórias criam vida. Descubra agora