Eu e a família da minha esposa (sobrinha, sogra e a amada) fomos para um hostel desses de centro histórico. Tínhamos uma chave que não me lembro muito bem como adquirimos. O local era estranho. Próximo à praia, havia um precipício rochoso côncavo, cheio de buracos, onde as ondas quebravam até aqueles mais altos e as pessoas subiam nesses espaços para tomarem banho, já que a água inundava e fazia um tipo de banheira natural. Vez ou outra alguém morria ali ao cair do precipício, seja ao subir ou ao descer.
Fui a um prédio que era um forte antigo, com pedras negras e portas azuis de madeira com grandes ferrolhos antigos. A chave não dava. Uma guia disse que aquele ali não era o nosso local. A guia parecia mais uma americana cinquentona que sabia falar português muito bem. Ela nos deu uma outra chave, mais enferrujada e que parecia ter sido forjada no século XVII. Apontou um local ao lado, com as mesmas pedras, mas com um portãozinho velho e acabado. Usei a chave para abri-lo. O terraço ficava na parte de cima e teria que subir através de um corredor estreito e escuro. Só que não eram em degraus que eu subiria e sim em uma escada, na parede. O chão/teto do terraço era feito de madeira antiga, fedida e podre. Minha sogra subiu primeiro e logo após fui eu e minha esposa. A sobrinha não quis ir.
Quando chego no terraço para entrar na casa, percebo que ele estava cheia de mato, limo e umidade; as janelas, fechadas, apodrecidas e a casa não tinha porta, só a entrada. Mas algo estava estranho: a luz não penetrava na casa. O chão de madeira parte ao peso do meu pisar, revelando uma fétida terra e quando vou me reequilibrar, viro para trás, percebo um cachorro espumando pela boca e rosnando como se seus pulmões estivessem perfurados. A aparência do cão era horrível: ele não tinha pele. Só músculo em carne viva, mas ao mesmo tempo ressecada e um tanto apodrecida. Seus olhos não existiam, somente as cavidades oculares. Gritei: "Desçam, se ele nos morder, pegaremos raiva". Minha sogra desceu primeiro (desceu não, se jogou) e minha esposa desceria logo em seguida. No entanto, quando o cão já dava passos para avançar, surge da entrada escura da casa um velho esquelético e com as mesmas características do cachorro: pelado, tanto de roupa quanto de pele (os músculos apareciam e também estavam em carne semi-morta), fedido, barbudo e sujo. Notei que havia partes do corpo desgastadas, como se tivesse arrancado para comer (sem alguns dedos e sem parte do seu órgão sexual) e grunhia mais feio que um possesso da Igreja Universal. Ele veio me atacar! Minha esposa pulou do terraço e correu para o outro lado, junto com minha sogra e sobrinha. Deixamos as malas e tudo o que levamos. O velho veio correndo pra TENTAR ME MATAR! Corri pra avenida, onde passavam carros e motos, gritando por socorro e ninguém entendia. Fui ziguezagueando para me esquivar dos ataques do velho, até que uma moto o atingiu e o matou, deixando um rastro de tripa podre no chão. Não vi mais ninguém da família. Sumiram junto com o cão.
Eu estava aliviado... até dizerem que eu matei José Bonifácio.
Retruquei que não, foi um acidente, mas todos me olhavam com repúdio e diziam: "assassino!". Por onde eu passava, me gritavam: "Assassino! Você matou José Bonifácio!". Meu psicológico ficou abalado. Senti como se uma maldição fora lançada sobre mim. Adentrei o recinto de um ser que não pertencia a este mundo.
Isso durou dias, semanas, meses. Uma vez eu estava no banheiro e quando saí, me deparei com uma antiga amiga, me perguntando debochadamente sobre esse lance do José Bonifácio. Eu expliquei que nem conhecia esse homem. Não sei a relevância dele para a cidade e eu queria que ele se lascasse.
Ela começou a gritar várias vezes:
- ELE DESDENHA DA MEMÓRIA DE JOSÉ BONIFÁCIO! O ASSASSINO DESDENHA DA MEMÓRIA DE JOSÉ BONIFÁCIO!
Fui ameaçado de morte, fui cuspido, por onde andava fui apedrejado, minha família sequer deu sinal... O repúdio de todos aumentava. A galera com quem gravei filme, meus amigos que agora me odiavam, todos estavam querendo o meu pior, porque eu não sei QUEM RAIOS É JOSÉ BONIFÁCIO!
Acordei aflito.
Fui jogar no Google o nome dele para saber quem é esse cara e encontrei essa foto. Era um naturalista. Parece muito com o velho do sonho. Levantei e fui embora trabalhar.
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