Há alguns dias venho pensando nisso.
É difícil resumir um pensamento, mas tive que me findar aqui, agora, sob o olhar das vagas do oceano, inundando-me o sabor das olivas.
Poética forma de descrever um pôr do sol.
Mas é isto: os pássaros, por mais que pareçam, não são livres. Simples assim. Os pássaros, estes seres que nasceram já com a capacidade de sobrevoar todo nosso mundo, são, em verdade, meros escravos de sua natureza. E nós, humanos, pensantes que somos, não conseguimos ir muito além disso.
A coisa crucial que nos difere dos pássaros é o fato de que nossa prisão é construída por nós mesmos. Os pássaros não se obrigaram a nada, eles simplesmente o são.
Pode parecer algo muito longínquo, esse pensamento de que somos todos condenados por pensamentos vários que enveredam nosso cerne e nos fazem culminar no crime perpétuo do cerceamento, moral, carnal ou espiritual que seja. Mas convivemos com esse fato diariamente. Somos construídos por amarras próprias.
Os pássaros podem voar, sim. Nunca neguei que o gostaria também. Mas, se os pássaros assim o fazem, é por que não nasceram de outro modo. Eu, que posso aprender e me renovar, a qualquer instante, sob qualquer circunstância, escolhi viver assim.
Amedrontado não. Muito menos inseguro. Ao redor de mim crescem apenas dúvidas, que se amontoam e, de pouco em pouco, consomem todo o meu ser, fazendo-me um mero servo, membro quase louco da geografia solar. São elas, as dúvidas, que me preenchem. É por isso que digo que vivo alucinando. Vivo pensando que talvez não. Talvez sim. Sabe-se lá. Faz-me rir.
Não sei de nada, e não me comovo por isso. Pelo contrário, sou até muito alegre. Esta condição de subalterno da própria razão.
E é assim que me considero preso. Na minha mente, lá, no profundo motivo do meu ser, naquela coisa que me move sem realmente me mover, bem lá, onde eu nunca estive, mas sempre estou, bem no âmago, não passo de um pássaro que não soube voar, e passa seus dias aprendendo a fazê-lo. Sou condenado a tentar, e o faço posto que me obrigo a tal.
Quem dera eu ser preso como um pássaro, que é preso sem o saber.
YOU ARE READING
Gravuras Incompletas do Porvir
Historia CortaComplô da dualidade, caminho irremediável da perdição, uma conversa com o universo do próprio eu, de dentro para dentro, magnetismo psicodélico, ou tudo aquilo que você sempre quis falar para si mesmo mas não teve coragem.