Acabei de tomar meu café.
Não é ruim.
É simples, é prático. É aquele tipo de coisa que te traz um pouco de alegria no final das tardes. Longínquas tardes estas. E quentes. Ah, sim.
O calor do café combina com o calor da tarde. E o calor do meu corpo, e o torpor no Sol, e o suor escorrendo, grudento. E o girassol abraçando a visão das nuvens. Fugindo delas.
Fugir. Palavra estranha. Fu, som estranho. Mugir, Dormir, Parir, Pairar.
Mas chega disto. Hoje são as rosas, hoje somos nós.
E o vento, a sequidão dos pulmões.
Mas ai o café.
Água pura. Digo, deixou de ser pura, mas é como se fosse. Boa, boa.
Como combinam a frutinha e a água. Como combinamos eu e você.
Por que razão me abandonaste, se eras eu teu amante solitário?
Por que motivo deixaste-me para viver agarrada em si mesma, assim sem ninguém? São coisas da vida, você me disse. Mas eu te digo que coisa da vida é café. Coisa de brasileiro, gente rica, pobre, gente assim como nós. Abandono não é da vida.
Não se abandona alguém que ama.
Me amou mesmo?
Acho que sim. Mesmo que tenha me feito isto.
Pelo menos não sofro. Não agora, que tenho café. Não agora, que tenho as tardes ensolaradas. Agora sou eu e Deus.
Me amou igual amaste Deus? Não, ninguém ama assim... Se bem que tem uns que odeiam a Deus. Odiaste-me igual'Ele, então?
Não foi de propósito. Foi o animal do meu ego. Eu te quis, eu te busquei, foste uma vez minha. Agora já não mais aqui está.
Roeu-me, roeu-me. Croc, croc... Agora sou só restos do que fui. Agora não mais me queres. Roeu o bastante? Ninguém gosta de sobras. Eu não gosto do café frio.
Mas não me deixe nunca, preciso de mais. Sabes disso? Então me beije.
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Gravuras Incompletas do Porvir
Cerita PendekComplô da dualidade, caminho irremediável da perdição, uma conversa com o universo do próprio eu, de dentro para dentro, magnetismo psicodélico, ou tudo aquilo que você sempre quis falar para si mesmo mas não teve coragem.