Sonhos De Papel

Garota Cacheada

Ser cacheada não é escolha. É resistência. Não somos lisas. Somos cacheadas, somos crespas. Somos nós mesmas. Ser cacheada é ouvir naqueles dias que seu cabelo está rebelde: ''Por que você não faz progressiva?''. É derramar lágrimas durante toda a infância enquanto sua mãe penteia seu cabelo seco, da raiz às pontas. É encher o cabelo de tranças e todo mundo olhar para o seu cabelo com nojo e enxergar como sujo. É encher a mão de creme para pentear e migrar de creme em creme para ver qual dá certo. É fazer misturas doidas, receitas caseiras, lavar o cabelo três vezes  por semana. É tomar banho de chuva sorrindo sabendo que seu cabelo não tem chapinha e  não vai estragar . Ser cacheada é fazer  permanente, progressiva, ou chapinha todo dia para ser aceita, se adequar. É pegar no pé daquela sua amiga até ficar chato para ela usar o cabelo natural. É amar suas raizes africanas.  É ter uma coleção de tererês, turbantes, lacinhos, bandanas e todo tipo de assessório para cabelo. É as vezes pensar em desistir da transição. É andar pela rua em pleno século XXI e ouvir expressões como : "cabelo duro", "cabelo feio", "cabelo ruim''. É não ter representatividade na mídia, nas revistas, nos lugares onde visita, e mesmo assim, persistir.  É quando você está linda para sair e sua avó te dá uma piranha e diz: ''Prende esse cabelo, está alto!''. Ser cacheada é ver seu ódio, seu amor, sua alegria e todas as idéias enroladas sairem da sua cabeça e descer encaracolando da raiz às pontas do seu cabelo. É soltar o cabelo dentro do ônibus e todo mundo olhar. Ser cacheada é ser forte, ser feliz, é problematizar, é ser contra as regras, é despedaçar os padrões, é causar. Meu cabelo não pediu sua opinião, quem manda nele sou eu. Não preciso do seu padrão europeu. Vocês lisas não precisaram se aceitar. Nós precisamos. E agora que nos aceitamos, vamos arrebentar! Ser cacheada é uma forma de rebeldia. E essa minha rebeldia ainda vai me levar para um lugar melhor.