"Os momentos antes do nascer do sol são sempre os mais gelados"
As palavras do velho rei ecoavam na cabeça de Hikaru enquanto tentava acertar flechas num alvo enquanto tremia de frio. Lisboa observava do alto, como uma estátua viva. Seu julgamento causava mais calafrios que o sopro gelado que invadia o pátio do palácio e a cada flecha fora do centro, um resmungo se projetava através do metal colorido de seu elmo. Seu aprendiz, porém, era paciente e apesar da tortura ao clima, insistia bravamente para atingir seu objetivo. Puxou a corda firmemente e fez a madeira se curvar com graça, mantendo a flecha reta no meio. O Fio marcava contra sua bochecha corada. Prendeu a respiração e piscou lentamente, soltando a corda do arco para disparar o projétil. Errou novamente.— Largue o arco. Chega por hoje. — Lisboa já se virava para descer as escadas até o pátio que pouco a pouco se iluminava aos primeiros raios de sol.
Com uma espada em cada mão, o capitão desceu os últimos degraus e ofereceu uma delas ao aprendiz, logo se colocando em pose de combate, desafiando-o. Com a espada em mãos, Hikaru tentava imita-lo. Inicialmente, os movimentos eram lentos e previsíveis, possibilitando que defendesse facilmente os golpes do cavaleiro. Gradualmente a velocidade aumentava e a dança parecia ainda mais séria e mortal. Hikaru se sentia confortável com uma lâmina em mãos e gostava desta sensação de duelo. Lisboa, mesmo vestido com placas de aço, demonstrava uma velocidade considerável apesar de inferior a de Hikaru. Este, por sua vez, não mantinha uma força constante nos golpes e sua técnica não passava de reflexos baseados em mimetização ou até mesmo sorte.
Observando durante o duelo, Hikaru percebeu que Lisboa abria brechas frequentes em sua guarda a maneira que sua velocidade aumentava. Querendo aproveitar-se disso, uniu a oportunidade com sua agilidade, contra-atacando como um relâmpago em seu ombro desprotegido por sua atenção. Sua lâmina partiu ao atingir o metal que gritou dolorosamente pelo pátio vazio, assustando ambos. Instintivamente o cavaleiro empurrou Hikaru com um forte chute em seu abdômen, arremessando e derrubando-o abruptamente.
Um silêncio constrangedor pairou no ar enquanto este estava no chão. A sua vista, a mão do capitão surgiu estendida para ajudá-lo.
— Desculpe-me.
— Sem problemas. — Agarrou sua mão e levantou-se.
— Parece que Geanini estava certo, você tem jeito, apesar de estar sem treinamento. Se lembra de como aprendeu a fazer o que fez?
— Sendo sincero, capitão, não sei nem como acertei aquele golpe.
— Faremos uma Pausa. Depois, descobrimos como o fez.
O exercício matinal aquecera seus corpos e queimaram seus espíritos no novo lar. A história gravada em suas paredes era inspiradora, assim como as vidas simplórias dos moradores deste reino mágico. Ainda sobre magia, a presença de magos e acólitos era perceptível, ainda mais nas proximidades dos discretos templos nas praças principais dos distritos residenciais, onde alguns comerciantes montavam suas humildes barracas de frutas.
Ainda cedo, decidiram comer algo no café da manhã. Lisboa agarrou um saco de maçãs frescas numa barraca e pagou o vendedor com algumas moedas de prata, provavelmente mais que o valor do produto. Convidou Hikaru para seu aposento concedido por Jean para que comessem nalgum lugar confortável. Era um quarto grande, rústico, apesar de bem decorado. A luz do sol já invadia pela janela semi coberta com cortinas antigas consumidas pelo tempo, sem perder sua beleza. Sentaram-se à mesa redondo no centro do cômodo e distribuíram as maçãs igualmente. Hikaru agarrou uma ferozmente e consumiu-a sem cerimônia.
— Não vai comer...? —Questionou Hikaru, ao perceber que Lisboa permaneceu parado, encarando-o.
— Vou.... — Não parecia nada confortável — Mas antes, prometa-me.
Hikaru não entendeu o que acontecia, mas supôs que havia algo em relação a sua máscara de metal do qual nunca vira o cavaleiro sem.
— O que eu deveria prometer?
— Que isso continuará sendo um segredo quando retornarmos.
Lisboa ergueu-se do outro lado da mesa e virou-se, dando as costas a Hikaru. Levou sua mão até sua face e com um movimento retirou sua máscara de metal que caiu no tapete macio sob seus pés. Com a ambas as mãos agora levadas até a base de seu elmo, retirou-o de uma só vez, revelando mechas loiras que caiam com graça sobre seus ombros. O capitão suspirou, porém, era a primeira vez que o via tão livre, mesmo que não parecesse o mesmo.
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Aquele com O Vento: Livro 1
FantasyA queda de um misterioso homem do céu intriga os moradores dos grandes reinos. Este homem, sem memória de acontecimentos anteriores, busca respostas em uma épica jornada, contando com aliados, enfrentando inimigos, temendo criaturas e amando da form...