AS PRINCESAS QUEBRADAS

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Primavera. Ano 33 da Era Serena.

Novembro. Nanuque.

A princesa Irene olhava pela janela sem vidros do palácio, observando o início de mais uma tarde em seu reino. Nanuque, o mais miserável de toda a Adamina.

O rei Otávio havia tornado seu reino um vassalo de Nova Nanuque há quase vinte anos, quando Irene ainda não era nem nascida. Por isso ela não saberia dizer se algum dia o seu reino havia sido belo, próspero ou feliz como todos os outros pareciam ser.

O que a princesa via naquele dia, pela janela ensebada, emoldurada por cortinas sujas e pesadas, era a mesma triste paisagem que acompanhara seus quatorze anos de vida. O palácio de Nanuque sendo esmagado por todos os lados por fábricas que soltavam uma fumaça negra de suas chaminés e uma infinidade de mendigos que se estendiam pela escadaria de entrada do palácio.

A primeira vez que Aurélia esteve em Nanuque, aquela visão da então desconhecida Escada de Mendicância, foi algo aterrador para todos nós. Súditos vagabundos que balançavam canecos em nossa direção, implorando por dinheiro bem na escadaria que levava ao palácio do rei. Além de homens, mulheres e crianças, chamados de operários, que trabalhavam nas fábricas, e passavam pelo palácio, sujos de fuligem, como se aquele prédio fosse só mais uma construção destroçada, como tantas outras. Era bem verdade que o palácio tinha um aspecto de ruína abandonada, com suas paredes descascadas. Mas ainda assim, era o lar do rei. Havia duas bandeiras no topo do quarto e último andar do prédio que simbolizavam isso. Tristes bandeiras brancas com listras verdes em diagonal.

Mas se o próprio rei Otávio não se importava com seu reino, como poderia esperar que os súditos o fizessem?

O reinado entrara em decadência logo que o rei começou a se tornar senil. Foi então que seu filho, Luiz Otávio, o convenceu a lhe dar quase todas as terras de Nanuque para que o ele pudesse reinar sobre o seu próprio reino. E foi assim que nasceu Nova Nanuque. Logo depois, o pai de Irene submeteu Nanuque ao reino de Luiz Otávio tornando-se vassalo do próprio filho.

Luiz Otávio era um rei progressita e moderno que não tardou a encher Nanuque de fábricas de tecido e aço, barulhentas e sujas, enquanto fechou seu próprio reino com enormes muralhas.

Naquele início de tarde, Irene observava os mendigos pela janela com um ar triste de quem sabe o seu lugar no mundo. E que esse lugar não é nada pretensioso. Ela era a terceira filha do rei Otávio com sua segunda esposa. Sua mãe havia morrido quando ela ainda era um bebê. Seus dois irmãos, Leandro e Cássio lhe davam pouca atenção. Não tinham nada em comum.

Quanto ao rei Luiz Otávio, seu irmão mais velho, se é que ela podia chamá-lo assim, não o havia visto mais do que três ou quatro vezes, em visitas à Nova Nanuque. Ele nunca ia ao reino do pai. A esposa dele, Maria Teresa, era desagradável a sua própria maneira. Nas poucas vezes que estivera em Nova Nanuque, a rainha enchera Irene de presentes e cuidados, sempre ressaltando como ela devia se sentir deslocada naquele reino, tão diferente do seu. Fazia a princesa se sentir uma serva que punha os pés num castelo pela primeira vez. Maria Teresa também não deixava o filho sozinho com Irene em nenhum momento. Temia que Luiz Fernando pudesse cair de amores por ela e quisesse se casar com Irene! E todos os planos de seu pai para fazer de Nova Nanuque o maior reino de todos, estariam arruinados.

Era estranho para ela pensar que era tia de Luiz Fernando, sendo que era mais jovem que ele. Ela e o sobrinho se davam bem, mas assim como acontecia com seus irmãos, não tinham muito em comum. Ele havia sido criado num reino rico e era extremamente culto. Em Nova Nanuque todos estavam sempre lendo, recitando poemas ou tocando instrumentos. Enquanto Irene, mal sabia escrever o próprio nome e arriscar alguns acordes na harpa.

Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora