CAPÍTULO 39 - DE VOLTA DO EXÍLIO

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Abril. Ano 2 da Era de Abril. 

Outono. Dourada.

Estar de volta a Dourada não era mais estranho do que estar novamente sob a proteção da rainha Aurélia. O reino não me parecia diferente em nada. Os bosques, as colinas, o povo e o castelo eram os mesmos. Dourada vinha sendo administrada pelos grandes nobres e os sacerdotes, com quase nenhuma intervenção da rainha.

Caminhei pelos corredores como se não tivesse nunca deixado aquele lugar. Encontrei meu quarto intocado. Dourada parecia ter parado no tempo. Nada havia mudado naquele reino. Quem estava diferente, no entanto, era eu mesma. Nada parecia me inspirar a alegria em estar de volta, como sempre acontecia quando a Aurélia, Pedro e eu voltamos de alguma longa viagem. As paisagens bucólicas, a rotina calma e a vida despreocupada, nada me despertava o êxtase que eu sentira outrora.

Embora essa sensação não me surpreendesse, agora que eu enxergava coisas que nunca antes havia visto. Como eu poderia estar feliz por retornar ao meu lar, se lá, nada me era caro? Não havia ninguém que me fosse querido, não havia ninguém que me despertasse afeição. As planícies douradas por onde o sol se espalhava eram belas e vistosas, mas já não eram para mim mais admiráveis que o mar de Conquistador. Procurei em vão causar em mim mesma a fascinante sensação de retornar ao lugar onde nascera após um ano. Reencontrei as outras damas, os sacerdotes, os nobres que eu conseguia desde que nascera. Todos me receberam com uma educação seca. Nenhuma daquelas pessoas se importava com a minha volta, logo, eu não poderia esperar sentir algo diferente em relação a elas. E isso me fez sentir ainda mais o contraste entre Dourada e Conquistador.

Teria sido como se eu nunca tivesse deixado aquele reino, não fosse por sua rainha, onde um ano caíra sobre seu corpo como se fossem vinte. Aurélia não tinha ainda completado dezessete anos, mas sua aparência fazia crer que ela já era uma mulher feita, marcada por uma vida de duros percalços. Não eram, decerto, os problemas do reino que lhe davam aquela aparência de cansaço, já que ela de nada se ocupava. Era claro para mim, que a rainha definhava devido ao isolamento que ela submetera a si mesma, ao condenar a rainha Berlina.

Liliana, uma das damas mais afoitas e que me conhecia de longa data, me revelara que Aurélia ia a todas as assembléias e reuniões, mas nada opinava. Seu tio, um sacerdote de alto escalão, se oferecera para ser seu tutor e tentar explicar–lhe as questões mais simples de economia e mercado, mas ela rejeitara a proposta, dizendo que para ela, tudo ia bem daquela maneira. Fora só com a perspectiva de minha chegada e principalmente, da chegada de Luiz Fernando que a rainha parecera um pouco menos abatida.

Porém eu tinha minhas dúvidas que meu retorno pudesse ter feito qualquer bem a Aurélia, visto pelo modo quase apático como ela me tratara. Fez–me perguntas tolas, sobre como se passara minha viagem e se tudo em meu quarto estava de meu agrado. Não mencionou nada sobre a carta que me enviara ou quis saber sobre o ano que eu passara longe dela, em Conquistador. Ela procurava mesmo fingir que as coisas eram como antes, que nada havia se passado entre nós ou entre ela e todos seus amigos. Senti um certo pesar pela rainha, tão jovem e tão inchada com seus remorsos e mágoas. Esperei que Luiz Fernando oficializasse o noivado o quanto antes e desejei que aquilo devolvesse definitivamente a vida à Aurélia e eu pudesse voltar para Conquistador.

Nos dias que se seguiram, me ocupei de minha antiga rotina, sempre dispensando cuidados a rainha, além de ter sido obrigada a retomar os hábitos mais fervorosos em relação a Eudo. Embora estar como dama favorita de Aurélia não me parecesse mais um prazer, como antes, por seus novos modos quietos e ainda mais reservados e pela falta que me fazia sua antiga tagarelice de menina. Procurei não pensar em Hércules ou qualquer um de meus companheiros de Conquistador. Pedi a Eudo que os tirasse de minha mente, porquanto durasse minha estada em Dourada. Mas eu não era digna da atenção de nosso deus e fui ignorada. 

Herdeiros Malditos [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora