JÚLIA
— Como é que é? — Baixo o tom de voz fazendo minha cadeira girar para ter uma aparente privacidade, e Anália continua tagarelando exasperada.
— Foi o que eu disse: sem chance, Júlia! Aquele cara não nos deixará nem chegar perto da ilha.
— Quer dizer que você nem foi até lá?
— Como eu poderia!? Não está me ouvindo? Ele sequer me deixou falar, não quis trocar uma palavra. Só o que ele falava era que sua resposta era não, e nem meu nome ele conseguiu decorar, é um ignorante. Ele é mal-educado, grosso, estúpido e burro! Não hesitou nem quando eu disse que ele podia ficar rico. Depois que ele sumiu com o barco vieram uns trinta pescadores me abordar para perguntar a respeito da tal proposta de ficar rico.
— Espere! Se interessaram, é?
— Sim, oras, mas o que adianta? Precisamos é que o responsável pela ilha aceite, não os outros mortos de fome.
— Bom, mas alguém que possa nos ajudar você deve ter encontrado.
— E cadê a Celina? Nada de notícias dela?
— Nada, ela sumiu. Se bandiou, não vai mais nos ajudar e devolveu o dinheiro tem meses, sabe disso, esquece ela. Precisamos de ajuda de alguém especial.
— Teve um cara querendo arrancar de mim mais informações. Tinha cara de carrasco e tudo, daqueles que fazem qualquer coisa por um troco.
— Pegue o telefone desse cara. Procure por ele, e pelo... espera... — Tiro o celular do ouvido e chamo a atenção de Leandro, um de meus auxiliares. — Lê, quem nós temos na prefeitura de Alagoas, mesmo?
— O Felipe Antunes, aquele calvo do coquetel em Maceió que ficou tentando pegar seu número — responde rindo e eu volto pro telefone.
— Escuta, depois que você conseguir o número do cara que você falou, vá até a prefeitura e faça um cheque. Quero todas as informações sobre esse Inácio e uma autorização judicial para pisar naquela ilha, quero entrar lá nem que seja com a ajuda da justiça, procure por Felipe Antunes. Esse homem não pode tomar uma ilha pra si, a não ser que ele a tenha comprado, o que eu bem duvido, a ilha é legalmente de Alagoas, é bem natural, não tem dono, não tem que ter dono, isso não faz o menor sentido. Descubra tudo o que puder e volte pra gente ver o próximo passo.
— Ok. Tchau — ela murmura e eu desligo.
— O que ela disse? — Laís, minha secretária e faz-tudo, se interessa e eu dou de ombros.
— Nada diferente do que eu já esperava. Esse cara tem um apego grande por aquela ilha. Para eu conseguir um pedaço dela, só descobrindo o porquê de sua obsessão maluca. Mandei um e-mail para o Pardal, ele vai me explicar até onde o mala pode ir com essa obsessão. Tenho certeza que se não for propriedade privada, ele não pode impedir ninguém de entrar lá. Minha pousada será lá!
— E o que adianta entrar se ele jamais vai vender um hectare que seja?
— Ele pode até ser um durão ou um bom ator, mas todo mundo têm seus pontos fracos. Ele disse à Anália que "se eu tivesse coragem, eu mesma iria até lá, confrontá-lo", me ameaçou e tudo. Mal sabe ele que se eu chegar perto dele, ele vai rapidinho me doar uma parte daquela ilha, não vai nem vender, ele vai doar!
— Vai seduzi-lo?
— Não, não. Seduzi-lo não, porém algo bem pior, mais humilhante. Farei da vida daquele cara um inferno até ele me dar um pedaço daquela montanha de mato e mosquito. Vocês já viram o mapa? — indago, ambos negam, e eu bufo ao mostrar virando a tela do PC. — O pedaço de chão que eu preciso é medíocre perto de tudo o que vai sobrar pra ele enfiar o povo dele! A ilha é gigante! Um pouco mais de 95 mil m2, e eu não estou pedindo nem um terço disso, muito pelo contrário. Eu não quero mais um resort, eu já tenho muitos. Tenho planos mais intimistas para aquela ilha, vi algumas fotos que me conseguiram de modo secreto porque nem no Google existem registros, aquele paraíso merece algo mais familiar, natural, e sustentável, quero um diferencial. E, se aquele pescador for esperto, vai ficar do meu lado pra sair ganhando nisso.
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PRESO EM SUA REDE- Degustação
RomansaRetirado 15/12/19 uma hora após a hora combinada. Inácio Amorim não sabia ler, mas não era burro. Nunca foi. O pescador era em si tão calejado quanto suas mãos, sabia que aqueles engravatados não seriam os últimos a tentarem comprar Santa Clara, seu...