Capítulo 9

15 1 7
                                    

          Desde que conheci Ricardo, pude notar duas características um tanto particulares na sua forma de agir. A primeira era que ele falava pouco e andava quase sempre sozinho. Na verdade, para ser exato,até aquele momento eu era a única pessoa que de fato tentava conversar com ele. Outra característica sua, só era perceptível quando ele falava. Essa era a mais incomoda para mim. Sua grande vontade de me criticar. Fosse na minha visão de mundo, no meu objeto de pesquisa ou na forma como eu falava. Tudo em mim, era para Rick algum motivo de critica. Nesta manhã porem, algo novo começava a me incomodar-me. Até aquele momento havia ignorado o cansaço presente em sua fala, mas agora isto começa a me preocupar. 


         Desde que acordara com aquele banho de água fria, Rick pareceu piorar.Como médico, não podia simplesmente ignorar aquilo. Desde que deixamos a garotinha e seu pai próximo ao ponto de ônibus, Rick já havia parado para descansar várias vezes, e agora, após sentar-se de frente de uma casa,pareceu simplesmente tremer, como se calafrios lhe percorressem todo o corpo. 


        — Está sentindo algo? — Ele levantou a cabeça que estava perdida com um olhar vazio para a rua, e o fixou em mim.

         — Não é da sua conta o que eu sinto ou deixo de sentir garoto! — Voltou a desviar os olhos simplesmente olhando para o nada. 

          — Rick, você não está bem! Ignorei seus sintomas até agora, mas esse cansaço na sua voz, esses olhos amarelos, entre outros que estou observando poderia ser algum problema sério e....

          — Me deixe em paz! — Disse-me enquanto tenta respirar profundamente sem conseguir.

         Aproximei-me mais dele, ecoloquei as costas da minha mão em sua testa, afim de tentar verificar sua temperatura. Não era necessário um termômetro para notar que ela estava altíssima. 


          — Você precisa ir ao médico Rick, não pode...

         — Ir ao médico?! — Ele sorri — Essa é boa! Você quer que eu vá ao médico e o que? — Me olha de forma interrogativa — Não sei se você percebeu garoto, mas eu não existo!

           — Como assim você não existe?! Está tendo delírios?

           — Não irei ao médico garoto! Não estou a fim de ir, e ainda que estivesse não possuo documentos para ser atendido!

            — Mas eles irão... — Antes que pudesse concluir ele me interrompeu novamente. 

           — Garoto, pare de olhar para mim como se nós fossemos iguais... Nós estamos na rua... Aqui é cada um por si e deus por todos!... As pessoas não estão olhando para você da mesma forma... Vá ao médico com uma simples gripe e é provável que lhe tirem a pancadas de lá!

            Essa última afirmação muito me irritou. Eu trabalhei durante anos em hospitais antes de me tornar acadêmico e abrir minha clinica particular. Aquilo era inadmissível... Atendíamos qualquer pessoa em nossos hospitais públicos, não suportava ouvir aquilo. 


             — Escuta Rick... —  Antes que eu pudesse concluir a frase a janela do segundo andar da casa em que estávamos de frente se abril, e um balde de água fria foi despejado em cima de Rick, seguido de um grito. — Saiam daqui seus vagabundos!!! vão buscar outro local para roubar!!  —  Vá se foder!! — Rick que já estava de pé pelo choque da água inesperada, chutou o portão e saiu andando após proferir essas palavras. Eu o segui ainda sem entender o que tinha acabado de acontecer.

Enquanto a cidade dorme: Ângelo FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora