Capítulo 18

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            Aquela foi apenas uma noite sem sonhos... Meu mundo girava, tanto pelo efeito do álcool, como de forma figurada. Minha vida virava cambalhotas. Corria, pulava em cima de um trapézio e girando de ponta cabeça no ar caia de pé, só que mais perdida do que antes e diferente do trapezista que sabe exatamente onde pousou seus pés ao tocar o chão, eu não fazia ideia em qual ponto meus pés tinham me levado.

           Acordei na manhã seguinte com um ruido nos ouvidos, uma escuridão em meus olhos, um gosto desagradável na boca e um incomodo na alma. A medida que ia tomando consciência de tudo o que havia acontecido na noite anterior, passando desde o encontro com Rick caído ao chão, até a primeira garrafa de Whisky aberta, percebi um ruido em minha volta tornando-se cada vez mais alto. Finalmente abri os olhos com um pouco mais de consciência sobre quem eu era e onde eu estava. E ouvi de forma clara que meu celular estava a tocar, perdido em algum canto escondido da casa, onde, possivelmente o deixei cair na noite anterior e não me recordava.

           Segui ainda um pouco cambaleante em direção ao toque. Após localiza-lo em baixo da poltrona no outro comodo, percebi que era Rosângela quem me ligava. Juntei um pouco de forças que tinha, enquanto recuperava aos poucos minha lucidez, e levei o aparelho ao ouvido:

          — Rosângela, tudo bem? Aconteceu alguma coisa?! — Minha voz saiu mais fraca e com mais dificuldade do que de costume.

          — Ângelo, onde você está? Ainda está em casa? Se estiver ligue a televisão agora!

          — Ligar a televisão? Como assim?! Em qual canal? O que houve?! Descobriram o que aconteceu com Rick?

          — Ligue em qualquer canal jornalistico! Apenas ligue!

         Caminhei em direção a sala de estar, Apanhei o controle que estava em uma mesa de centro, mesmo local em que o havia deixado cerca de uma semana antes e liguei o aparelho de televisão. Segundos depois um frio me percorreu a espinha e tudo o que pude fazer foi permanecer parado, como uma estatua e completamente mudo. Penso que por alguns instantes até mesmo minha respiração parou, pois passei a ouvir Rosângela do outro lado da linha em tom de desespero a gritar pelo meu nome.

        — Ângelo, você ainda está ai?!

       — Es... Es... Estou... — Disse com certa dificuldade.

       Meus olhos permaneciam focados em uma imagem minha que aparecia na televisão. Mil pensamentos passavam pela minha cabeça. A legenda me chamava de suspeito, o jornalista me chamava de criminoso, de bandido,  e prometia mostrar um vídeo na sequencia que deixaria todos em casa, sem duvidas de que eu havia realizado a agressão.

       Não sei como é para você ler essas palavras, mas sei que para mim, ouvi-las, após ter passado por tudo o que passei, era como ser torturado em praça publica, por um crime que eu não cometi. Sentei no sofá, sem perceber que estava a fazer tal movimento. Rosângela que ainda estava ao telefone tentando me dizer algo, apenas recebia como respostas um som mudo, seguido de tentativas de fala inaudíveis. Não sei por quanto tempo essa minha forma de falar sem atenção durou, quando o jornalista pediu que passassem o vídeo, notei que o celular já estava desligado e em cima da mesa de centro.

        As cenas que seguiram eram inacreditáveis, eu avançava furioso em cima de uma das pessoas que estavam em meio a um circulo na rua, tomava de sua mão um aparelho celular, jogava-o no chão e pisava em cima extremamente revoltado. Não havia áudio, nem qualquer tentativa por parte do jornalista de explicar o que me levara a tomar tal atitude naquele momento. O contexto da situação era completamente ignorado. A câmera focava apenas em meus olhos que estavam vermelhos em desespero e na minha atitude um tanto "explosiva", em um momento de raiva e medo. Junto a isso viam comentários ofensivo e revoltantes do apresentador, que fazia crer que tal atitude só poderia ser tomada por alguém que fosse capaz de espancar o homem caído.

        Na minha cabeça, mil pensamentos. Depoimentos que teria de dar. Explicações junto a universidade que teria seu nome exposto. Reuniões intermináveis junto ao conselho de ética... Aquelas imagens estavam me envolvendo em tantos problemas que tudo o que tinha vontade de fazer, era torcer para que tudo aquilo não fosse nada mais que um pesadelo.

       Infelizmente não era! Algum tempo depois, não sei especificar exatamente quanto tempo havia transcorrido, pois, as imagens me deixaram em uma especie de choque. Ouvi tocarem o interfone. Segundos depois era conduzido junto a dois policiais rumo a uma viatura parada em frente ao meu portão. Não sei o que mais me surpreendeu enquanto me aproximava da viatura, se a rapidez com que o vídeo ganhava a mídia ou se a velocidade dos jornalistas em  encontrarem a minha casa e denegrir a minha imagem em rede nacional sem ter averiguado o caso de forma clara e profunda. Sinceramente, ainda hoje não tenho essa resposta.

        Meia hora depois estava em uma sala dois por dois, sentado atrás de uma mesa, com um investigador a minha frente, um espelho ao meu lado direito, e várias perguntas que me eram lançadas, cujas respostas que eu dava pareciam não responder as dividas das autoridades.  Rick ainda estava em coma, eu era a ultima pessoa vista com ele, a verdade sobre a pesquisa não era aceita pelos policiais, mesmo por que, segundo constava para a universidade e para o conselho ela ainda não havia começado, pois, a ideia de passar uma semana na rua, alem de ser de ultima hora, não foi formalizada para o conselho. Apenas Rosângela sábia sobre isso, porem o depoimento dela não era aceito por sermos considerados "amigos". A verdade, era que quanto mais tempo eu era interrogado, mais os casos ganhavam repercussão em outros jornais, e mais meu caso tornava-se complicado.

         Em menos de vinte quatro horas eu havia passado de pesquisador a um suspeito de espancamento que segundo os médicos, poderia a qualquer momento envolver-se em um assassinato. Não julgue que meu nome e meu titulo me ajudaram nesse momento, muito ao contrario, eles atrapalharam. Ao que constava por ser médico eu deveria ter protegido a vitima ao invés de estar quebrando aparelhos celulares, o que aos olhos de quem presenciou a cena não pareceu acontecer. Testemunhas apareceram na delegacia dizendo que eu tentava roubar o homem que estava caído. Meu advogado estava enfrentando problemas para me tirar dali devido as "evidencias" contra mim. E para a minha angustia, quanto mais tempo eu passava ali, mais minha imagem era denegrida, e quanto mais a minha imagem era denegrida, mas a situação se agravava.

         Quando fui liberado aquela tarde, depois de um longo trabalho do meu advogado, o estrago já estava feito. A universidade me proibiu de lecionar até que a situação fosse esclarecida. O conselho de ética, suspendeu "temporariamente" meu registro, até o final das investigações. Isso significava que a pesquisa teria de ser suspensa, e que eu não poderia clinicar. Em resumo, ao final daquele dia, eu não era mais médico, não era mais professor e não era mais um pesquisador. Tudo o que eu havia me esforçado tanto para conseguir. Tinha sido destruído em algumas horas. A unica pessoa que talvez pudesse esclarecer aquela situação era Rick que naquele momento estava em coma em um quarto de hospital aleio a tudo o que me estava acontecendo. Eu suma, fui para a rua uma semanas antes, com o objetivo de ajudar as pessoas a saírem dela, mas agora, eu mesmo estava correndo o risco de ir parar lá.

                                                                                                 ***

Enquanto a cidade dorme: Ângelo FloresOnde histórias criam vida. Descubra agora