leiam com a música, podem procurar a tradução para sentirem mais o lado da Nora
Lembro-me de como te conheci.
Já faz tanto tempo! Você sempre admirou a minha memória, quando eu contava histórias nostálgicas da minha infância com um sorriso bobo, sentindo em cada poro do meu corpo, a admiração que você tinha por mim, e era mútua.
Eu era jovem, estava a poucos meses formada em jornalismo, lembro-me de estar sentada em um banco de madeira no parque, com a minha caneca com chá para me esquentar no clima frio de Munique. Seu cachorro se soltou da coleira e, sentindo o cheiro da Amelie no meu blusão, veio pular em mim, me fazendo derrubar o chá no notebook e na matéria que estava escrevendo.
Eu não me importava se você era jogador, se o seu cachorro quisesse os pelos da minha gata que estavam perdidos na minha roupa, me importava apenas no registro da minha vida que estava relatando.
Você pediu desculpas, e meu computador não estragou. Estava escrevendo sobre minha mudança do interior da Espanha para uma cidade popular na Alemanha, sem falar a língua nativa.
Um pedido de desculpa aqui, um número pedido ali, e estávamos conectados pelo olhar.
Seus olhos azuis pareciam imãs para a cor de mel dos meus. Você foi tirar uma folha do meu cabelo e acabou enredando os dedos nos cachos que os fios formavam. Minha mão pequena tentando tirar os fios cacheados da sua mão quente, foi a primeira de tantas vezes que trocamos o calor de nossas mãos.
As minhas sempre frias, as suas sempre quente.
Sempre gostei de escrever, escrevi em todas as nossas fotos reveladas, mesmo que apenas a data, ou um resumo do dia para explicar o motivo do nosso sorriso bobo em fotos aleatórias. Éramos jovens que queriam apenas registrar e marcar nossa vida. Formar nossa história.
Quando eu achava alguma receita pela internet, e tentava reproduzir enquanto você estava no treino, para recebê-lo da melhor maneira possível, mas acabava em algo radioativo. Você me abraçava, dizia que tinha adorado a surpresa e discava o número da pizzaria de sempre.
Você entendia a minha intenção, minha inquietude aos acontecimentos do mundo. Mesmo com sono, escutava minha opinião diante os fatos encontrados em notícias matinais, ás vezes só concordava sem escutar, mas eu amava a maneira que você se importava comigo.
Eu morava em um apartamento humilde, que abrigava eu e minha gata com segurança e conforto, sua vida luxuosa nunca encheu os meus olhos.
Com o passar dos meses, você se fazia cada vez mais presente do "meu lado da cidade", como dizia.
"Você é a luz do prédio, seu sorriso e bom humor matinal conseguem sugar toda a energia ruim do local."
Muitas pessoas me falavam sobre esse meu "poder" de absorver as coisas ruins, igual no filme A Espera de um Milagre.
A diferença, é que eu não os vomitava depois, eu guardava toda a energia para mim, não querendo machucar os outros à minha volta.
Sempre que eu estava triste ou esgotada, você colocava a minha música preferida para tocar, eu sempre foquei em certos trechos da mesma, ignorando outros.
O que a Nora de anos atrás faria se soubesse que, o que a define, é a música por inteiro?
Mesmo não tendo nada sério, você me fazia feliz. Pensava que éramos um casal, fora das câmeras. Eu não ligava para notícias pessoais dos famosos, minha atenção estava em projetos para resgate de animais e maneiras de ajudar a causa, junto com notícias de mochilões pelo mundo.
Esta carta não é apenas para você, é para mim também. Nunca irei me arrepender de ter passado tantas e tantas horas do seu lado, compartilhando sonhos e fotos que estarão guardadas comigo para sempre.
Obrigada por cada sorriso que você me tirou nos piores momentos.
Você falava que meu coração era tão grande que podia esmagar a cidade.
Dizia que a frase era muito rasa, e que o meu coração poderia esmagar o mundo.
Mal sabia eu que você era o meu mundo, e eu te esmaguei.
Não sei explicar qual foi o momento em que nosso muro foi se despedaçando, você estava cada vez mais aéreo, e nada que eu falasse ia mudar.
Você já não se importava com as minhas receitas, mesmo quando elas davam certo. Você já não ligava tanto para o que estava fora dos gramados. Com a sua popularidade aumentando, os repórteres eram cada vez mais presentes na sua rotina.
Eu não entendia o seu incômodo quando eu perguntava sobre os jogos, ou sobre os seus amigos que você raramente convidava para ir à sua casa quando eu ia, já que "gostava mais do meu aconchego". Até que entendi.
Você estava me escondendo, estava entalado na sua garganta, mas não tinha coragem para me contar. Descobri semanas depois por uma colega de trabalho que, sendo torcedora do seu clube, me mostrou a foto do casal estrangeiro que tinha construído sua vida em Munique.
Não querendo me estender mais, quero agradecer por todos os momentos sinceros que você teve comigo, mas você conseguiu destruir o meu muro.
"Metade de mim é oceano, metade é céu".
Então me permiti ser livre como minhas metades.
Só te peço uma coisa, não magoe ela como você me magoou.
Lembro-me que você questionava o meu amor por La La Land, inclusive minha tatuagem dedicada ao filme que "não tinha um final feliz".
Não vou dizer que sou a Mia e você o Sebastian, pois o que eles tiveram foi verdadeiro.
Apenas siga o seu caminho, jogador. Não guardo nada de ruim no meu coração, já absorvi muitas energias que não me pertenciam, e não tenho o poder de vomitar elas.
Nossa história estará guardada, mas como outro exemplo de La La Land.
Eu sei que você entende, Robert. O oceano não pode ser controlado, e o céu não pode pertencer a alguém. Da próxima vez, aprecie as estrelas de longe.
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postal 221 • contos
Kısa HikayeSometimes you're happy And sometimes you cry Half of me is ocean Half of me is sky - Walls, The Lumineers