Zoe sofregamente arrastava sobre a areia os resto do enorme escaravelho para o veículo. Assim como a maioria das criaturas que ainda viviam em Zertran, estes besouros desenvolveram uma resistente carapaça quitinosa de silicato. Insetos basicamente feitos de areia, a substância mais abundante do planeta, os poucos sobreviventes que evoluíram para se camuflar neste planeta deserto. Mas todas as formas de vidas conhecidas mantêm uma quantidade mínima de nutrientes como proteína e água. Então, qualquer coisa viva que ela encontrava, era levada ao laboratório para a extração destes parcos e preciosos recursos tão necessários para sua sobrevivência.
No retorno de sua caçada, enviou uma mensagem para a estação Demether, notificando que um bio-contêiner chegaria em algumas horas. Mesmo sabendo que não haveria mais ninguém lá para recebê-la, Zoe era uma pessoa de hábitos e sentia certo prazer em manter e seguir os protocolos, estes pequenos rituais a confortava. O contêiner era descarregado automaticamente dentro do bio-processador na estação Demether, para separar as impurezas do material reaproveitável, praticamente todo o material era desperdiçado, menos de 2% do total de biomassa inserida era utilizável e o processo de descontaminação era lento.
Em seu laboratório, mesmo que sem esperança alguma, Zoe trabalhava tentando esbarrar em alguma descoberta inovadora, que reverteria o já avançado processo de desertificação em que o planeta se encontrava. Era um trabalho tedioso. A ciência já havia a muito superado o processo de envelhecimento celular, manipulando a perda de telômeros do DNA na reprodução celular. Nenhum humano morreria de velhice, mas desnutrição e desidratação ainda eram fatais assim como ferimentos ou doenças.
Incapaz de conter a solidão e a angústia de saber que era a única humana no planeta. Zoe interrompeu seus trabalhos e se dirigiu a estação Philotes, lá havia uma criatura nativa de Zertran mantida em um ambiente artificial. Zap, nome dado por ela, era o último de sua espécie e o única criatura do planeta que tinha algum tipo de intelecto, mesmo que primitivo. Agressiva demais para ficar livre e única demais para permitir sua extinção. Quando Zoe sentia-se solitária demais, sentava perto do vidro que separava ela e a criatura, e conversava como se a criatura fosse capaz de compreendê-la.
− Há muito tempo atrás quando me alistei para me tornar uma agente de terraformação, Eu não me sentia solitária dessa forma, na Terra existem tantos humanos quanto é possível se ter num planeta.
− Talvez você não consiga compreender mas quando meus companheiros e eu chegamos aqui, muito antes desse planeta se tornar este deserto sem fim. Havia lagos, rios, pântanos, e até florestas. Naquela época, outros como você subjugavam as outras espécies nativas. Algo semelhante aconteceu com minha raça em nosso planeta muito antes de eu nascer.
Zap dentro de sua bolha fresca e úmida, parecia não entender nada, mas mesmo assim prestava atenção a cada palavra e movimento de Zoe.
− Com a degradação crescente da atmosfera de Zertran, as chances de qualquer sucesso na terraformação do planeta foram se extinguindo. Meu povo partiu com suas estações em busca de outros planetas com melhores chances.
− Mas eu não consegui, após todos esses séculos não consegui abandonar Zertran. Não consegui abandonar você Zap.
− Um amigo muito sábio da Terra uma vez me disse que os humanos não foram feitos para viverem para sempre Zap. Eu tentei dar a você a melhor vida possível, no começo estava cheia de esperança de repovoar o planeta com outros como você. Assim você não estaria mais só. Eu não estaria mais só.
− Me perdoe Zap. Eu não fui capaz.
A criatura sentou-se ao lado dela, olhando fixamente em seus olhos através do vidro. Por um instante breve houve alguma ligação entre eles, um rompante de empatia. Mas apenas por um breve momento, pois além daqueles breves instantes Zertran, ela e a criatura não mais existiam.
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Contos Curtos
ContoNada é tão importante que não possa ser resumido, Contos Curtos serão textos pequenos criados para trazer alguma lição, algum conforto a nossa alma ou quem sabe aterroriza-la.