Capítulo 1 - Embate

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Eu já sabia que o tempo era relativo, cada vez mais me convencia disso. A maneira como cada segundo que por nós passa se torna rapidamente no passado  e como passamos a viver o futuro num instante. Não passa de algo meramente virtual, surreal e todavia só por causa dele é que as coisas são reais, não existiríamos se não houvesse tempo, pois o universo seria apenas um cenário estático, parado. Habituei-me a viver no presente, para aproveitar a oportunidade que é viver mas nunca esperaria ser confrontada diretamente com o futuro. Bastou apenas um dia para todo o meu destino ser marcado, e foi o dia menos esperado para tal ocorrer. Foi o dia em que tive contacto com algo fora da minha época, e mesmo passada apenas uma semana as memórias daquela manhã reacontecem na minha mente, cada vez mais frescas.

Era uma daquelas manhãs frias de Inverno, em que céu estava branco de névoa e o ar queimava a pele, uma entre as muitas já vistas. A geada nas folhas assinalava as horas marcantes do início do dia, o qual ainda tinha o Sol pela sua metade. O meu corpo estava adormecido mas a minha mente acordara já há muito, incomodada pelo ruído vindo de fora. Lembro-me perfeitamente do som: agudo mas suave, como o roçar de cordas de violino bastante desafinadas. O facto que me intrigava mais era ser cíclico, reassonando a cada trinta segundos, o tipo de ruído que leva qualquer um à loucura. Após o que tinham sido seis minutos de pura agonia para os meus ouvidos, a curiosidade venceu a preguiça e decidi-me a descobrir de onde vinha aquele ruído. Abri a janela a custo e verifiquei que de facto, vinha da rua. Havia de intrigante nele que me atraía e eu tinha mesmo de saber quem ou o que é que estava a produzi-lo. 

E fui. Ainda neste momento penso queaquele dia podia ter sido como qualquer outro. Podia ter sido outra quinta feira banal. Podia ter simplesmente acordado para ir para a escola. Porém...

 ...Não foi. Lá estava eu, às cinco e vinte da manhã, vestida apenas com o pijama e robe, a arrastar-me por aquela rua fria, a tremer entre os cobertores. A cada passo que dava o som soava cada vez mais alto, cada vez mais perto. As minhas pernas moveram-se a custo pelas ruelas e avenidas que pareciam não ter fim. Não dei conta de quanto tempo passara mas já me encontrava bastante longe quando o som ficou de súbito mais forte. Olhei em volta o caminho pesaroso que me era indiferente ainda há segundos atrás - estava num pátio amplo, abrigado pelos prédios do bairro a seguir ao meu, a cerca de meio quilómetro de casa.

O que aconteceu de seguida fez-me prender a repiração e foi tão abominável que me perguntei durante dias se não fora apenas ilusão minha.

*CRASH!*

A cinco passos de mim, a fração de ar à minha frente... abriu-se?! De facto. Era impossível de confundir, aquela pequena miragem quebrou-se tal qual um bloco de cimento e, lentamente, a fissura abriu-se, podendo distinguir-se um fundo corredor negro. Nem me dei conta que os ruídos haviam parado pois os meus olhos ficaram pregados naquele fenómeno surreal. Inspecionei cada detalhe, cada movimento e caí em sobressalto quando uma figura encapuzada surgiu daquele buraco. 

- Zeliar?

Balbuciei aquela palavra inconscientemente, pois o seu significado era-me deconhecido. Senti medo. O vulto avançou em passo largo na minha direção e fenda foi-se fechando mais depressa do que abrira. O meu coração explodia a cada segundo e acompanhava o eco de cada passo que era dado.

- Sim, o meu nome é Zeliar.  - tal frase foi pronunciada por uma voz que tanto transparecia juventude como seriedade. Baixou o capuz com ambas as mãos e revelou um rosto feminino estranhamente pálido. Observei a estranha personagem. O cabelo era castanho acobreado, preso da maneira mais estranha e os olhos angulares tinham um tom âmbar que eu nunca vira. Era pelo menos um dois anos mais nova que eu.

- Faço parte da Ordem dos Viajados e vim dar-te uma missão. 

Engoli em seco. Toda aquela situação era estranha para mim. Retirou o braço que levava escondido e revelou o objeto que transportava com todo o cuidado. Olhou para mim levemente e colocou-mo nas mãos com cuidado.

- Escuta bem - disse - dentro deste livro está escrita a vida de cada humana que viveu, vive e alguma vez viverá. Guarda-o com a tua vida.

De repente senti um peso enorme abater-se sobre mim. Senti um enorme fardo nas minhas mãos e uma importância colossal que me incomodou, considerando que se tratava de um livro aparentemente comum. As minhas pernas tremeram, mas não do frio. Fitei corajosamente a rapariga, que exibia agora uma expressão autoritária e consegui proferir a medo:

 - Eu não... Eu não percebo.

A rapariga chamada Zeliar suavizou a expressão e tocou no livro ao de leve. Compreendi que me explicaria tudo e senti uma estranha confiança. Sorriu.

- Eu venho do futuro.

Relatório do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora