Destino indecente

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— Ainda não acredito.

Tarja, minha amiga finlandesa e secretaria dos chineses "irritantes" como ela dizia, disse incrédula enquanto nós duas caminhávamos pelas ruas noturnas de Miami em busca de hot-dogs e petiscos para comer depois de mais um dia de trabalho longo e exaustivo. Estava uma noite quente e propicia para passeios na rua. Eu não era de sair assim, mas ela era e porque precisávamos conversar sobre certo preconceito dela, aceitei o convite.

— Estou dizendo mulher, eles são um fenômeno, se posso dizer e digo mais, sem aquelas babaquices dos americanos de pós cama em que ou fingem que foi legal e saem correndo, ou pegam no pé como carrapatos. Nada disso, acordei na cama entre eles como se fosse algo comum e não uma primeira vez, conversei um pouco sobre a reunião que teríamos no dia seguinte, tomei café com o senhor Yoongi e Wonho e então voltei para o meu apartamento para me vestir decente, já que estava com o vestido arruinado. No escritório eles continuaram a ser os certinhos perfeitinhos irritantes de sempre e apesar de algumas olhadelas mais íntimas deles em alguns momentos, digamos assim, era como um dia qualquer. Não vou mentir, poderia ficar viciada nisso, juro, jamais verei essa coisa de sexo em grupo de forma preconceituosa outra vez, foi o sexo mais maravilhoso da minha vida, aliás, me estragaram para os outros, estou sentindo...

— 'Tá mas e...? Tipo, acha que vai se repetir, acha que eles vão querer algo mais, sei lá, um namoro maluco...?

Ela perguntou curiosa e um pouco confusa com tudo o que ouviu.

Eu olhei para frente e dei de ombros, realmente eu não sabia. Não queria me apaixonar também e tinha certeza que eles só queriam sexo sem compromisso. Aquela podia ter sido a primeira e única experiência com eles, aliás, era o mais provável...

Eu ia superar? Claro que ia, aquele tipo de coisa é como uma noite insana de Carnaval. No dia seguinte, era apenas mais uma página virada e boa recordação.

— Acho que não, Tata, acho que não...

— Ei, cuidado!!!

O grito veio do nada e meu reflexo não foi o suficiente para sair da linha do perigo. Um ciclista veio desgovernando em nossa direção, tentou desviar e deu de frente com uma barraquinha de salgados fazendo o atendente pular e com isso derrubar a estrutura sobre ele, o ciclista, eu e Tarja.

Senti uma dor insuportável nas pernas, ouvi o grito da minha amiga, um monte de barulhos externos e então, mais nada.



Abri os olhos sentindo tudo ofuscante e estranho, não sentia mais dor, contudo aquilo me assustou ainda mais, eu não sentia nada do meu corpo, eu não sentia nem minha própria língua... Várias sombras de branco passaram e saíram do meu campo de visão e eu sabia, embora não sentisse, que devia estar em alguma maca rodeada de médicos. Ainda pensei sobre eu ter um bom plano de saúde, mas tudo voltou a ficar embaçado e eu voltei para a inconsciência.



Quando voltei a acordar, de verdade, eu já meio que esperava o teto branco sobre mim, o que eu não esperava era o senhor Minseok sentado na poltrona lateral e vários fios grudados em meu corpo. O que tinha acontecido...?

— Tarja, Tarja...

Tentei falar algo mais, mas minha boca não organizava as palavras além do nome da minha amiga. Então outro rosto surgiu no meu campo de visão e vi o senhor Wonho com olhos aflitos sobre mim:

— Ei baby, não fala ok, não se force...

E ele estava ali apertando um botão e logo enfermeiras entravam apressadas no quarto. Eu não entendia o que eles estavam fazendo ali, e eu queria saber o que estava acontecendo também, eu precisava falar, mas então uma das enfermeiras colocou uma máscara no meu rosto e eu soube que era sedativo porque eu fui perdendo o foco e de novo, desmaiei.

A última coisa em que pensei era que eu precisava saber da minha amiga, eu precisava!



Você sabe que algo grave acontece porque mulheres tem um bom sexto sentido. Fato. Quando eu tomei consciência outra vez, eu não abri os olhos, pelo contrário eu fiquei ouvindo o que acontecia ao meu redor. Tinha medo deles me colocarem para dormir outra vez, e eu precisava entender o que acontecia.

Saber que todos os meus chefes estavam ali no hospital comigo definitivamente não era o que eu esperava, o mundo tinha enlouquecido?

— Temos de fazer isso, Seok, Himchan é o melhor médico nessa área e ele não pode vir para Miami, eu não vou deixar que nossa mulher fique sem a melhor assistência nessa hora!

A voz do senhor Wonho era tensa, aflita, quase brava.

— Devíamos ter tomado mais cuidado, é nossa culpa que elas estavam na rua sozinhas, se tivessem se encontrado em local seguro...

— Foi um acidente, JB! As ruas de Miami são seguras – Senhor Yoongi disse em tom bravo – Concordo com Wonho, devemos levar ambas para Seul. Eu já falei com o Jackson, ele concorda em transferir a senhorita Virtanen para a clínica do Himchan. Eles estavam tentando conquistá-la também, estão todos no mesmo barco que nós, elas precisam ficar bem, e se depender de mim nada vai ficar no caminho!

Eu congelei, então não era só eu, Tarja tinha se machucado também... Ai deus!

O que tinha acontecido...?

— Eu só quero que ela não fique abalada e sofra mais, pessoal. Não quero minha mulher sofrendo...

Então eu soube que Wonho chorava porque ouvi um soluço pertinho e então gotinhas caírem em uma das minhas mãos. Meu coração acelerou e então se sentiu apertado, ele estava chorando por mim? Era isso mesmo? Aquele coreano grandão e metido a conquistador malandro estava chorando por mim?

— Ela não vai, vamos cuidar dela – Senhor Minseok disse de forma firme – E se depender de mim ela vai se curar para além das possiblidades da medicina!

Então a porta se abriu e eu ouvi uma voz suave e feminina entrar e falar serena:

— Eu ainda não aconselho, senhores, como médica dela eu sou terminantemente contra essa ideia, ela teve fraturas significativas e está temporariamente sem movimento nas pernas, fazer essa viagem tão longa pode estressar ainda mais os músculos e as lesões. Ela...

Eu parei de escutar devido a informação que caiu sobre mim com a força de uma bigorna. O Quê? E-eu... Eu... Então abri os olhos e os aparelhos começaram a apitar como loucos. Eu cruzei meus olhos com os do Wonho ao meu lado e ele pareceu chocado, assustado e sim, ele estava de olhos vermelhos.

— Sedativos, agora!

A médica falou e logo eu era arrastada outra vez para o mundo vazio da inconsciência... Eu estava presa a uma cama. Era isso mesmo!?

Cama é para os fracosOnde histórias criam vida. Descubra agora