Ela estava quase bem. Andava nas ruas frias da grande cidade. Cabeça baixa, mãos nos bolsos, o vento jogando para trás seus cabelos e seu cachecol. As botas faziam barulho no chão, um carro ou outro passava rapidamente. A madrugada começava, mas a cidade ainda tinha pressa. Ela estava num bairro residencial, caminhando para o grande centro.
Sozinha, não prestava atenção em quase nada. Erguia o rosto vez ou outra para olhar as nuvens vermelhas que o vento trazia. Com um andar de passos rápidos e curtos, não tardava em chegar ao centro, com seus bares, suas boates e, o melhor, suas pessoas estranhas. Olhou para os lados, procurando alguma coisa. Seus olhos encontraram uma placa e ela reconheceu a rua. Virou à esquerda e seguiu por uns três quarteirões. Parou na frente de um barzinho escuro. A música era boa e, embora estivesse cheio, o local não estava lotado. Entrou e procurou uma mesa vazia, perto da parede dos fundos.
Sempre que ia ali, procurava uma mesa naquele canto. Sentou-se de frente para a entrada do bar. Pediu um conhaque e ficou a observar as pessoas. Em uma das mesas, um casal já alcoolizado e uma garrafa de vinho. Pareciam próximos, carinhosos, ebriamente felizes. No outro lado, um casal completamente diferente. Ela tinha os olhos vermelhos e ele enterrava a cabeça entre as mãos, como se não soubesse mais o que fazer. No balcão, uma garota conversava animadamente com outra, parecia que haviam acabado de se conhecer. E numa mesa na parte oposta do bar, uma pequena turma barulhenta de amigos, com algumas bebidas e muitos petiscos. Pareciam felizes e ela sentiu-se um pouco pior.
Por onde andariam aquelas pessoas que foram tão importantes na sua vida? E ainda seriam importantes ou era apenas um pouco de saudosismo? Por que ela nunca mais os procurara? Sim, isso sempre acontecia, ela sempre se afastava das pessoas, de uma hora para a outra. E parecia ser natural, porque as pessoas também não a procuravam mais. Se, por acaso, se encontrassem na rua, eram todos saudades, promessas de telefonemas e encontros. Nem ao menos uma mensagem acontecia. Sim, ela era sozinha. ("Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!") Pensou nas pessoas que já haviam passado por sua vida. Com qual delas ela poderia ou gostaria de estar agora?
Um nome, apenas um nome de homem veio à sua mente.
Por onde ele estaria?
Com quem?
Às vezes ainda pensava nele e, então, sentia saudade. Era o que acontecia agora. Pagou o conhaque e saiu do bar. Andou mais um pouco até chegar a uma praça. Àquela hora, apenas alguns indigentes dormindo em alguns bancos. No mais, vazia e solitária. Sentou-se num banco não tão escuro assim e pegou o celular. Ligou para um número decorado não se sabe como, já que ela nunca ligava para ninguém. O contato não estava na sua lista, nem um nome, nem uma foto enquanto a discagem esperava ser atendida. Mesmo às duas horas da madrugada, ela sabia que podia ligar.
A voz do outro lado atendeu mais rápido e parecia mais acordada do que ela esperava. "Sou eu" "Que bom, eu tava justamente me perguntando por onde você estaria". Conversaram pouco, com urgência. Ela desligou o celular e começou o caminho de volta, mas não para a sua casa. Para um lugar também guardado mais em seu coração do que em sua memória, que ela seria capaz de achar mesmo que todo o resto tivesse mudado.
Sabia que nascera para ser sozinha.
E ele era como ela.
However far away,
I'll always love you,
However long I stay,
I'll always love you,
Whatever words I say,
I'll always love you.
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Fragmentos de nós dois
Short StoryUma série de postagens que escrevi ao longo do tempo e estavam perdidas no limbo dos meus backups.