A espera

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Ele fechou os olhos.

Sentiu o vento que entrava pela janela aberta. O vento tinha cheiro de chuva, de coisa distante. Abriu os olhos. O dia estava quase tão cinza quanto as coisas todas que se misturavam em sua essência.

Andava sombrio e distante nos últimos dias. Os amigos lhe perguntavam o porquê desse charme melancólico, quem ele estava querendo enganar. Não havia resposta. Ele não estava fazendo tipo. A chuva começou a cair com força. Fechou o vidro da janela e saiu do quarto. O que esperar ali? Não havia a quem esperar, nada que fosse acontecer. Se encontrava sozinho, profundamente sozinho. E pela primeira vez em muito tempo, isso não o incomodava.

Na sala , mais escura do que deveria mas ainda muito mais clara do que a noite, ele ligou o som e ficou deitado no macio tapete, olhando para o teto, como se algo novo fosse sair dali. Liberou a sua mente, parou de ordenar os pensamentos e deixou que eles corressem livres para onde quisessem. Não fez muita diferença, mas pelo menos sua imaginação podia confundi-lo quanto às coisas reais e as imaginárias. Aliás, o que era real? A vida que ele levava, a que ele queria levar, as coisas que ele sentia, ou ainda o que os outros achavam que ele queria? Enfim, isso não ia levá-lo a lugar algum.

E ela?

Já havia muito tempo que ela tinha ido embora para não voltar. Talvez um pouco fosse culpa dele, mas não importava. Há tanto tempo que não parava para pensar nela, mas essa sombra sempre estava em sua mente, e alguma ilusão era necessária. Todas as pessoas precisam sonhar com algo, esperar que uma coisa aconteça para se sentirem vivas, importantes. E ele resolveu que aquela seria sua ilusão naquele entardecer.

De olhos fechados, viu a mesma mulher de antes, como quando se conheceram, entrando pela sala (ela não devolvera as chaves), encharcada, linda. Com os cabelos pingando, uma dúvida e um receio nos olhos castanhos, e uma mala de viagem nas mãos. Imaginou que a música dos dois começava nesse momento e ela, com um sorriso tímido, perguntava se podia ficar. Ele se apressava em pegar a mala enquanto ela tirava o casaco molhado. Sentavam e conversavam por horas.

Ele sentiu uma dor que era real. Era saudade da amiga que foi embora com a amante. Talvez ele ainda a quisesse, mas de forma diferente? Ou da mesma forma? Talvez fosse a falta dela que o deixava tão vazio. Sem esperar que algo acontecesse...

A música acabou.

A sala caiu num silêncio, que se rompeu com o toque do telefone. "Alô?" — Ele reconheceu uma voz doce, que não ouvia há muito tempo. "Tava pensando em você, resolvi ligar." E ele sentiu como se voltasse aos poucos ao mundo que deixou, enquanto soltava a respiração em um suspiro. Todo mundo precisa de alguém. Ele precisava dela. E ela sabia disso. Pouco depois do anoitecer, a chuva já não caía e ele pôde ouvir um barulho na fechadura, pelo qual esperava, sem saber, há muito tempo.

Fragmentos de nós doisOnde histórias criam vida. Descubra agora