UM - 14/06/2019

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Olho para o corpinho sobre a cama dormindo tranquilamente, e sei que foi minha melhor escolha apesar de não ter sido nada fácil. É como minha mãe dizia, coisas maravilhosas não acontecem para pessoas preguiçosas.

Ajoelho no chão um instante apenas para pegar o máximo de coisas espalhadas por ele. Não posso mentir e dizer que está sendo fácil agora, mas já estivemos em situações piores. Apesar de saber que a culpa de tudo foi minha, não consigo me martirizar ao olhar para Ana, minha pequena menina, ali comigo durante todo esse perrengue na nossa vida. Com ela tudo fica mais fácil de lidar. Foi uma decisão mal pensada, com certeza, mas eu não mudaria meu passado de forma alguma.

Com cuidado remexo no seu pequeno corpo embrulhado pelo cobertor quente durante toda a noite fria, e chamo pelo seu nome, acarinhando seus cabelos nada parecidos com os meus.

"Querida, acorde!" Sacudo seu braço fracamente e deixo uma risada pairar no ar enquanto ela revira na cama segurando as pontas da coberta ainda de olhos fechados. "Vamos Ana, a mamãe precisa trabalhar e você estudar."

"Só mais um pouquinho." Ela insiste com a voz fraca e abafada.

"Cinco minutinhos, hein."

Saio de perto da cama e vou para pequena sala para terminar minha organização básica da manhã. Vou precisar conversar com Ana depois de busca-lá na escola, durante o jantar. Precisamos deixar a casa organizada para que coisas como essa - toda essa bagunça espalhada - não se repita pelas manhãs.

Jogo toda tranqueira acumulada no sofá, me sento no canto e confiro a hora no relógio digital ao lado da televisão. Dobro as roupas, deixando os brinquedos de Ana sobre o braço do estofado.

Levanto num impulso indo novamente para o quarto com uma pilha de roupas nos braços, e sacudo os bracinhos de Ana novamente, dando cócegas em sua barriga coberta. Ela ri, aquela risada gostosa que eu amava ouvir todas as manhãs. Saio de perto pegando sua cesta de brinquedo, arrastando atrás de mim por conta do peso. Ana me segue ainda sonolenta e entra no banheiro quando vou em direção ao sofá. Não demoro nem dois segundos e pronto, tudo parece bem, tudo parece organizado.

Deixo a cesta de brinquedos ao lado do sofá, e caminho até a bancada que separa a sala da cozinha. Tiro a jarra da cafeteira, depositando meu pretinho na xícara que Ana me deu no último dia das mães. Era grande, com um desenho feito por ela mesma, uma flor enorme e ao lado uma mulher que provavelmente seria eu, com um coração imenso cobrindo mais da metade da circunferência da xícara.

"Mamãe!"

Depressa largo meu café para trás, e corro em socorro até Ana que parece desesperada. Olho tudo em volta quando consigo abrir a porta do banheiro por completo, mas não vejo nada demais fora do lugar, nem sob seus pés descalços.

"O que foi querida?" Agacho ao lado dela, e seguro sua mão vazia sobre as minhas. A outra aperta a escova de dente com pouquíssima pasta de dente rosa e azul. "Ana, conte para mamãe o que aconteceu."

"Eu derrubei, sem querer, meu tubo de da pasta dentro do vaso." Ela aponta com a escova para a privada, mas não consigo ver nada com ela na minha frente. "Você vai ficar brava comigo?"

"Ah, Ana, claro que não." Puxo ela para perto de mim, beijando o topo de sua cabeça. "Termine de escovar os dentes, e logo eu tiro o tubo e jogo no lixo, tudo bem?"

Me levanto do chão limpando meus joelhos, e passeio minha mão em seus fios de cabelo desgranhados.

"Mamãe, mas como eu vou escovar meus dentes depois?" Ela me encarou um pouco brava e acabei rindo da situação.

"Antes de eu buscar você no colégio, prometo que compro uma nova, tá bom?"

"Tá bom." Assentindo para mim, ela encara a escova desanimada, voltando o olhar para meu rosto logo depois. "Não vou conseguir limpar todos meus dentinhos com só isso de pasta, mamãe."

Minha decisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora