O fim de semana voou. A casa está finalmente organizada graças a conversa que tive com Ana há quase duas semanas. Todas as noites depois do jantar nos juntamos e colocamos tudo no seu canto. Ela me ajuda com seus brinquedos, e eu fico com o resto das tarefas. Não é muita coisa, mas comparado a antes deixavamos tudo acumular de um jeito perturbador.
Ana está na mesa há um bocado de tempo na companhia de uma folha branca e lápis de cor. Não fala, nem mesmo desvia os olhos uma vez sequer do papel. Levanto do meu conforto no sofá, e puxo uma cadeira ao seu lado para me sentar. Ela se joga em cima da folha. O cabelo espalhado em cima do tampo da mesa. Não me olha, nem mesmo o som de sua respiração consigo ouvir. Deve estar chateada com algo, mas não quer me dizer. Sei porque sempre age da mesma maneira.
"Ei Ana, conte pra mamãe o que te chateia minha pequena!" Peço deslizando meus dedos por seus fios de cabelo claros e molhados.
Ela joga a cabeça para trás passando as mãozinhas pelo cabelo, arrastando todos os fios para trás. Por fim me olha, os olhos caídos, distantes.
"Um desenho."
É tudo que ela diz. Tento pensar em algo para ajudar, mas ela vira o rosto em direção a televisão. Não sei o que fazer. É difícil entender quando ela não me da mais pistas. Cutuco seu braço, ela se vira para mim.
"Que tipo de desenho?"
"De uma familia." Ela solta desanimada, e pega o lápis de escrever. "Mas como eu vou fazer o desenho de uma familia se só tenho você?"
"E qual é o problema querida?" Pergunto confusa com seu questionamento.
"Todos meus amigos tem uma mãe e um pai..." Paro de ouvi-lá no mesmo instante em que o som da palavra 'pai' sair de sua boca. Não era a primeira vez que ela comentava algo em relação a isso, mas para mim era muito complicado explicar tal coisa. "Por que eu não tenho um?"
"Por que não tem um o que, Ana?" Volto minha atenção para ela, um pouco atordoada com sua menção.
"Um pai. Por que todo mundo tem, e eu não?" Ela fecha os olhos nervosa, prestes a chorar. Se havia algo que ela herdara de mim foi o nervosismo seguido de choro compulsivo. "Todos os meus amigos estavam falando que iriam desenhar uma casa com eles e o pai e a mãe na frente..."
Quando as primeiras lágrimas se arrastam por seu rosto, puxo ela para meu colo e embalo num abraço apertado. Ela chora sentida, e evito olhar toda cena. Sei que em algum momento isso viria a calhar. Ana sempre foi inteligente, estava crescendo, entendendo e perguntando coisas.
"Por que eu só tenho uma mãe?"
Como eu explico para uma criança de quase cinco anos sobre minhas decisões, sobre ela ter apenas a mim? Olho para ela procurando a resposta certa, mas não consigo encontrá-la.
"Ana, meu amor, você ainda é tão nova para saber disso." É tudo que consigo responder.
"Não sou não!" Ela passa as costas das mãos pelos olhos e olha brava para mim. "Todo mundo sabe que tem um pai, por que eu não posso saber? Eu tenho quatro anos igual meus amigos, e depois vou fazer cinco anos!"
Respiro calma e profundamente. Tudo que eu havia evitado por esses longos anos estava vindo ladeira a baixo. Ela estava se tornando uma criança responsável, e seria inevitável esconder dela qualquer coisa por mais tempo. Assim como as perguntas se tornavam mais complexas, as respostas também seguiam o mesmo rumo, mas como é que diz para uma criança de um pai que eu nem sei se existe mais? Não me lembro o nome que tinha. A única coisa que me trás lembrança dele é cada parte de Ana que não se parece comigo, e quando digo isso, ela toda me lembra ele, com exceção apenas na personalidade, pois isso é pura herança minha. A teimosia está em primeiro lugar, e isso eu herdei da minha mãe.
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Minha decisão
Chick-LitQuando algumas perguntas não conseguem ser respondidas, o que você faz? E se a resposta surgir de repente, você a deixa entrar? Desire passou por mal bocados a vida inteira. Criada apenas pela mãe, a garota viveu em meio as dificuldades, problemas e...