Capítulo 1

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"Quando tudo for pedra, atire a primeira flor."

— Autor Desconhecido

Clarinha

Observo a pequena bagunça à minha volta e decido que de hoje não pode passar a arrumação deste quartinho. Tem dias que estou atarefada com as costuras e protelando uma faxina neste espaço, dificultando achar qualquer coisa que precise usar.

Normalmente sou organizada com minhas coisas, principalmente no ambiente onde trabalho, mas a alta demanda de serviço por conta da festa da cidade que se aproxima, acaba atrapalhando minha rotina.

Ainda nem é hora do almoço e já estou descabelada, com dor na coluna, os dedos picados pela agulha e um cansaço extremo. Jurei que este ano faria diferente e não sobrecarregaria minha rotina com tanta costura, mas como sempre, não consigo dizer não.

A festa de Palomino é uma tradição que move todos os habitantes em torno dela, a empolgação é contagiante, as tradições de cada família sendo passadas para os seus, unindo a todos em comemoração por mais um ano de existência.

Esse sentimento de realização acaba tomando conta de mim e não resisto aos constantes pedidos que chegam à minha porta. Em sua maioria, são os peões que competem e desfilam na festa, querendo ajustes nas roupas de montaria, algum rasgo ou remendo que precise ser feito.

Espeto a agulha na pedra de sabão à minha frente e levanto o colete que acabei de consertar. Ele é todo marrom escuro, em couro, algumas franjas nas costas dão um certo charme. Lucio, nosso vizinho, é o dono e pediu que remendasse um pequeno rasgo na lateral e aproveitei para pregar alguns apliques na frente.

Ficou uma lindeza só.

Sorrio para mais um trabalho concluído e essa é a resposta para o meu esforço. Poder caminhar pela festa e observar a quantidade de pessoas que ajudei, sentir que meus dedos puderam deixar os trajes ainda mais bonitos, pessoas mais arrumadas, faz eu me sentir parte do todo. Parece um pouco piegas, mas é assim que me sinto.

Dobro o colete com cuidado e deixo na prateleira para as peças já consertadas, é a única coisa que ainda está arrumada neste cômodo e não quero correr o risco de perder uma delas nesta bagunça de retalhos, panos e fitas espalhadas por aqui.

Estico meu corpo, sentindo meus músculos protestarem pela posição que estava, apesar dos meus dezoito anos, esta cadeira que trabalho acaba judiando das minhas costas. Alongo meu corpo o máximo que posso e solto o ar, com pesar.

Volto minha atenção para a máquina de costura e pego a linha para encaixar na agulha que vou usar no próximo manuseio.

— Oi, maninha. — Ritinha entra sem bater.

— Dia, Ritinha — respondo, concentrada no que estou fazendo.

— Vamos à prainha comigo? Quero aproveitar esse sol bonito lá de fora.

— Ah, não. Eu tenho algumas coisas para fazer... — Tento argumentar e sou interrompida.

— Ordens da mãe. Ela disse que você está tempo demais enfurnada aqui dentro.

— Mas...

— Nada disso. Arruma suas coisas, vamos sair daqui às onze.

— Antes do almoço? — Estranho o horário.

— Sim. Não vamos demorar nada. — Ela sorri, animada, saindo por onde entrou.

Estranho o convite e, ainda mais, toda a animação de Ritinha. Normalmente ela chamaria a Paulinha para um passeio desses e não a mim.

[DEGUSTAÇÃO] Perfeito Para Mim - Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora