Drei #3

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Você está maluca, filha? Eu não acredito que escondeu isso da gente. ― exclamou minha mãe em choque.

Com a carta de aceitação da Gaia Institute em uma das mãos, meu pai continuava sentado num dos luxuosos sofás da sala e ele, sim, meu ex, estava recostado ao canto me olhando com olhos misteriosos.

Calma, eu ia falar com vocês. ― menti.

Você não me engana! Não cometa o mesmo erro que eu cometi, filha!

Minha mãe também sempre amou a dança. Tanto que largou tudo na juventude para seguir carreira e o resultado não foi muito bom.

Eu tenho como me manter, mãe. É diferente.

E a faculdade? ― perguntou meu pai com certa lentidão.

Eu não sabia o que dizer. "Eu trancaria a faculdade!" era o que eu queria dizer, mas isso nunca sairia da minha boca ali, naquela sala, com aqueles seis olhos em cima de mim.

Eu sei que não tenho nada a ver com isso, mas Alana é grande, já tem sua vida. Garanto que ela também ama a medicina e dará um jeito de conciliar as duas coisas. Ela sempre fez isso.

Christopher se tinha posto ereto, com as mãos nos bolsos, olhando direto para eles. Minha vontade foi abraça-lo, coisa que nunca fiz, pois odeio abraços ou qualquer demonstração de muito afeto e eu comecei a se lembrar de quando nos separamos, em como nos tornamos amigos em vez de amantes. Ele estava ali me defendendo e eu não poderia estar tão grata por aquilo.

Mas escondeu de nós. Não precisava. ― Minha mãe ponderou.

Eu escondi para não causar atrito.

Eu te admiro muito filha. Sei que se tornará médica, cedo ou tarde. Mas também sei que seu coração bate forte pela dança, assim como o meu. Mas porque essa escola de dança, dentre todas as outras?

A Gaia é a melhor.

Sim, é. ― Ela chega perto de mim e me dá um beijo na testa e segue para dentro da casa.

Vá com sua mãe, ela já adiantou para a gente sobre o buraco que você está se metendo.

Meu pai era um que nunca demonstrava raiva ou ressentimento. O sentimento era mais de desapontamento do que outra coisa.

Chegando ao quarto de minha mãe, ela estava de costas.

O que é isso?

Você precisa saber sobre a dona da escola, a Gaia. ― Ela abriu uma gaveta e retirou vários recortes de jornal. ― Ela é como um fantasma horrendo.

Como assim?

A mulher que minha mãe descrevia parecia ser a das fotos dos jornais. Ela tinha um olhar sisudo e raivoso, mas parecia inofensiva. As manchetes eram de eventos do mundo da dança. As fotos velhas e borradas não exibiam exatamente os traços da tal Gaia e ela parecia só vestir um tipo de roupa, uma espécie de paletó surrado, porém de muito bom corte. Teria ela apenas uma roupa para usar?

Ela é filha de uma famosíssima dançarina brasileira que faleceu num grave acidente de carro quando Gaia tinha seus 16 anos. A menina foi para a Áustria viver com o pai e fundou a Gaia Instituto de Dança. Foi ganhando fama e começou a fazer parte de muitas polêmicas após a morte de sua esposa. Olhe esses recortes.

Minha mãe me estende um recorte que ostentava acusações de assédio sexual por parte de alunas de Gaia, alegando terem de manter relações com ela para serem aprovadas no teste. "Meninas burras" – pensei eu. Muita falta de talento em minha opinião. Eu nunca deixaria ser manipulada por ninguém, muito menos por algo que faço tão bem.

Desde que as acusações começaram a aparecer, Gaia não lida mais diretamente com os alunos. Ela deixa as primeiras seleções de dança para seus assistentes e só participa das seleções finais. Minhas amigas de dança souberam por fontes que ela tem critérios excêntricos para escolher alunos. E ela costuma não aceitar alunos que tentam pela primeira vez.

Acho que posso lidar com isso, mãe.

Ela costuma levar os alunos ao extremo, fazendo-os dançar por horas, até chorar ou se machucar.

Eu sabia que no mundo artístico rolava muito isso, mas nunca tinha passado por nada similar. Relembrando todos os anos que eu dei aula de dança, em vários momentos cheguei a me interrogar sobre o que de fato acontecia com certas alunas que tinham bastante potencial, mas que simplesmente não estavam dispostas a ir mais longe. Já cheguei a pensar que se prendesse elas em alguma espécie de arena ou confinamento e as pressionasse mental e fisicamente, elas finalmente sairiam da zona de conforto e avançariam na técnica. Por alguma razão eu gostava da ideia de Gaia.

Como a senhora sabe de tudo isso?

Eu conheço a família dela. Eles são aqui do Sul. A mãe dela dançou no mesmo grupo de dança que eu. A Gaia sempre foi uma menina fechada e antissocial. Nos últimos anos piorou e aí vieram às polêmicas, que fizeram ela se fechar ainda mais.

A senhora não acha que sou capaz?

Sim, você é capaz de tudo que quiser, mas não será aceita de primeira, a não ser que...

Minha mãe interrompeu sua fala e pensamento.

Que...?

Ela me deu um beijo na testa e saiu.

Em VienaOnde histórias criam vida. Descubra agora