Capítulo 2: decadencia

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 Iaco havia explicado para Kan que os seres e criaturas que ele viu são responsáveis por intensificar um sentimento, uma ação ou um vício. Sempre afundando ainda mais a vítima a determinado pensamento pernicioso. Cada criatura se alimentava de uma emoção diferente, como a depressão, o medo, a raiva e até vícios em bebidas, cigarros, drogas e etc. Assim era o caso das que Kan havia visto em Scott na sua festa de aniversário. Todas elas se alimentavam da vitalidade da vítima, até levá-la à morte...


Os anos se passaram desde então. Kan agora tem 12 anos. As coisas mudaram muito. Nesse tempo, seu pai havia sido convocado pra uma guerra... As coisas ficaram bem feias, e George perdeu muitos amigos. A batalha foi bem traumática para ele. Seu pai voltou violento, totalmente mudado do homem amoroso e responsável que era antes. A família de Kan mal conseguia pagar as contas e o Estado não reconhecia os méritos de seu pai na guerra, não lhe destinando absolutamente nenhum tostão ou sequer ajuda psicológica. George então se humilhou região afora e conseguiu um emprego que era ainda mais puxado, influenciando de vez seu destemperamento.


Após ter sumido por três dias, George chega em casa totalmente bêbado. Ele anda meio cambaleante derrubando alguns móveis e tropeçando em outros até alcançar sua poltrana favorita, se senta e diz:
- Kandorh, vem aqui agora, muleque! Liga a TV pra mim, eu quero ver o jogo! - gritou George, totalmente alterado.
- Eu estou indo, pai - respondeu Kandorh, correndo para ligar a televisão. - A mamãe estava preocupada com você, pai. Ela mal dormiu essa noite...
- Sua mãe é uma ingrata, Kandorh. Vem até aqui! - disse George, fazendo um gesto rude com a sua mão chamando Kandorh.
Kan vai até seu pai sentado na poltrona e fica de frente para ele.
- Você tem que aprender comigo, garoto... Tem que colocar as mulheres no devido lugar delas. Eu pago as contas nessa casa, sem mim vocês não seriam nada, seu merda! - depois completou o pai em um tom grosseiro de conselho com seu mau hálito de bebida alcoólica - O mundo lá fora é cruel, Kan. Você não sabe o que te espera lá fora. Agora vai buscar uma cerveja pra mim, e bem rápido!
Após ouvir isso, Kan correu para a cozinha.
- Você percebeu, Kan? - perguntava Iaco.
- Sim... eu vi.
Eles falavam sobre as criaturas agarradas ao seu pai. Eram as mesmas que haviam visto em seu tio Scott na festa de aniversário anos atrás. Duas nos ombros que eram pequenas, possuíam quatro patas, com pequenas garrinhas afiadas, se segurando com um pequeno rabinho. Apesar de estarem gordas, elas mostravam alguns ossos se destacando na sua carne, pois não tinham pele. Esses monstros se alimentavam de seus vícios. Havia um que se assemelhava a uma cobra sem cabeça, que se enrolava em seu pescoço. Era como um verme e uma de suas presas penetrava nos olhos da vítima. Essa se alimentava da raiva.
Kan foi até a geladeira, pegou uma cerveja e levou para seu pai. Quando George foi beber, percebeu que ela estava congelada.
- QUE MERDA É ESSA, KANDORH?! - gritou George furioso dando um tapa no rosto de Kandorh. O tapa foi tão forte que fez o garoto cair no chão com o rosto ardendo. A boca de Kandorh começou a sangrar com o corte que havia sofrido no interior gengiva.
Os barulhos e a voz exaltada de George atraíram Melissa ao local que, ao se deparar com aquela cena, ficou bem assustada.
- George, o que aconteceu? - perguntou Melissa, a fim de apaziguar a situação.
- Esse muleque de merda me trouxe uma cerveja congelada, ele tem que aprender a fazer alguma coisa direito! - esbravejou o marido, empreguinando o ar com seu bafo de cachaça.
- Desculpa, pai. - disse Kandorh em um tom quase de sussurro.
- Filho, suba para o seu quarto, eu vou conversar com seu pai.
Kan se levanta e sai correndo em direção ao seu quarto. Ele estava assustado, não por ter apanhado, mas porque quando a sua mãe não o chamava de ''Kan'' e sim de ''filho'', significava que ela também estava assustada.
- George, por que você bateu nele? O garoto só tem 12 anos. Ele não fez por mal. - disse Melissa trêmula, porém de uma forma suave com medo de irritar o marido ainda mais.
- Você ainda defende ele?! Ele precisa apanhar, Melissa, para aprender como é o mundo desde cedo, não podemos mimar esse menino!
- Onde você estava? Você sumiu por três dias, eu fiquei muito preocupada... - desabafou Melissa chorosa e desesperada com o jeito do marido, esperançosa de que ele se acalmasse ao ver sua preocupação.
Ao invés disso, George se enfureceu ainda mais com a pergunta da mulher e jogou a garrafa congelada em Melissa, abrindo um corte em sua testa.
- CUIDA DA SUA VIDA, MULHER! Não te devo explicações! - gritou George, se levantando furioso e indo em direção desta.
Antes que Melissa pudesse reagir, George desfere um soco em seu olho e, quase que instataneamente, Melissa cai de costas, assim começando a chorar e a gemer de dor.
Kan não podia aguentar ouvir o choro da sua mãe parado no quarto, sem fazer nada. E antes que George continuasse batendo nela, como de costume quando estava em casa, ele voltou gritando:
- Pai, por favor, não bate mais nela!
- Tá vendo? Esse menino é desobediente, você não o educa direito. - disse ele demonstrando ainda muita raiva - Eu tô cansado.... Ah, que se dane. Eu vou para o quarto deitar. Eu tô esperando a porra do jantar, Melissa! Não enrole... - ameaçou ele se retirando da sala.
Kandorh corre para acudir a mãe e se ajoelha ao lado dela.
- Mãe, você tá bem?
- Tô sim, foi só um arranhãozinho.
- Mas... tá saindo muito sangue!
- Eu só vou fazer um curativo e preparar o jantar.
Sua mãe ficou com um hematoma no olho durante semanas, mas agia como se nada tivesse acontecido. Essas cenas, do seu pai espancando a mãe dia após dia, nunca iriam deixar a memória de Kandorh.

shinikibõWhere stories live. Discover now