Céus! ele me conhece bem demais. Estou realmente frustrada, quero fazer algo para descontar essa frustração, mas no tempo em que faço isso, eu poderia estar avançando na busca por ele, então decido deixar a ideia de extravasar em segundo plano.
Está ficando tarde, e começo a sentir meus olhos ficarem ligeiramente mais pesados, o dia tinha sido corrido no trabalho, ainda haviam questões a serem resolvidas, mas nenhuma delas era tão importante quanto achar meu esposo. Nenhuma solução de lá me daria alívio tamanho ou igual a sentir os braços dele ao meu redor, nenhum período de férias é, seria ou foi mais desejado do que um tempo com ele, nenhuma apresentação ou entrega jamais me deixaria com tanto frio na barriga quanto quando estou perto dele, nenhum projeto no qual eu me envolvesse teria mais ou igual medida de mim do que ele, ninguém, na verdade, teria.
Sentei-me ao lado da pequena planta onde havia achado a carta. Mais importante que tudo... mais importante que tudo... mentalizei, tentando entender o que ele queria dizer, mesmo estando tão empenhada nisso, eu já sentia tanta saudade dele que imaginei o calor de seu toque em meu ombro, o toque capaz de acalmar qualquer tempestade em mim, de amansar qualquer frustração, de confortar qualquer tristeza, de acender a chama que por meu esposo queimava, o toque do qual eu já sentia tanta falta... mas para senti-lo de novo, precisava focar. E então, como os arquivos de um computador que têm o que você digitou quando pesquisou aparecem para você como resultado, meu cérebro evocou cenas e mais cenas, momentos e mais momentos nossos onde ele dizia "o mais importante é..."
Eu estava pela terceira vez naquilo, me perguntando por qual razão não conseguia acertar, eu tinha ido até a metade, tinha riscado linda e musicalmente uma folha inteira, na tentativa de fazer uma música e tocar para ele hoje.
Era nosso aniversário, e eu só queria terminar aquilo hoje, ele sempre relaxava ouvindo música, e eu queria poder ajudar, mas de duas semanas para cá, meu cérebro parece ter decidido fazer uma greve de ideias! com que fundamento eu não sei. Mas não dava pra fazer essa greve de ideias depois do nosso aniversário? eu queria tanto surpreendê-lo e terminar...
Tentei de tudo que podia para ter uma ideia, e mais algumas vieram, mas não o suficiente para terminar a música. Era como um discurso inacabado, no qual apenas a última frase faltava, para encerrar com "chave de ouro". Mas eu fiz tudo o que podia, e a última frase não me veio, então, frases negativas começaram a vir a minha mente.
"Você não consegue porque não presta pra nada" ; "você é incompetente, essa é a verdade, já era pra ter conseguido" ; "qualquer outra pessoa já teria conseguido"; "ele vai se decepcionar com você"; "ele faz de tudo por você, faz de tudo por vocês, e você não consegue nem finalizar um presente de aniversário a tempo..."
As frases gritavam na minha cabeça, e me faziam sentir tão pequena, incapaz, tão inútil... e doía pensar que eu não conseguiria nem por ele... doía demais... e tudo começou a se misturar de tal maneira em mim, que me oprimiu a ponto de eu começar a chorar.
Eu queria parar, porque não conseguiria mesmo continuar a escrever a partitura com a visão toda turva pela água. Mas chorei, chorei, chorei mesmo, até cair no sono.
Não sei quanto tempo depois, ele chegou em casa, mas eu não o vi chegar, só fui perceber que ele estava ali, quando ele já estava de frente para mim, também deitado no chão da sala.
-Oi- disse eu.
-Oi- respondeu, sorrindo- por que decidiu dormir no chão?
-Oh...- comecei, ficando vermelha- eu estava tentando terminar seu presente, mas eu não consegui, falta a última parte, tão importante quanto as outras, e adormeci no processo de terminar ela- admiti, envergonhada- sinto muito, de verdade, eu sei que não parece e que provavelmente qualquer pessoa no mundo teria conseguido terminar... mas aparentemente sou mais devagar que todas elas- continuei, sentindo de novo a vontade de chorar querendo vir à tona, prestes a sugerir que ele se acomodasse, e em alguns minutos eu daria o máximo do máximo de mim para terminar...
-Hey, hey- disse ele, daquele jeito suave que eu sei que amansaria até o Hulk.
Ele se aproximou de mim, e seu polegar secou uma lágrima que eu não havia percebido que tinha chegado até a superfície de meus olhos.
-Está tudo bem...
-Como pode estar bem? você faz literalmente de tudo por mim e por nós, e eu não consigo nem terminar um presente pra uma ocasião especial... você cuida de trocentas coisas sem ficar maluco, e chega em casa no dia do nosso aniversário e se dispõe a deitar no chão pra conversar com a pessoa que não conseguiu cumprir uma simples responsabilidade...
Ele se aproximou um pouco mais, e seus olhos tão profundos e sondadores, me olharam intensamente.
-Por que você quis fazer esse presente pra mim? - perguntou ele, firme, mas ao mesmo tempo delicado.
Pensei por um tempo, e depois respondi:
-Porque é nosso aniversário, e eu queria fazer algo que pudesse te alegrar.
-Por que você queria me alegrar?
Agora eu estava começando a ficar confusa, claro que eu queria alegrá-lo, aonde ele queria chegar com aquelas perguntas?
-Porque gosto de te ver alegre, gosto de saber que uma parte dessa alegria, mesmo que uma pequena parte, seja por minha causa, isso me alegra também.
-Por quê?
Será que era um tipo de pegadinha? será que ele estava me imitando quando eu era menor? Seja o que quer que fosse, só me restava dar a resposta sincera.
-Por que eu amo você- respondi.
Esperei pelo próximo "por quê", mas ele não veio, no lugar disso, ganhei o sorriso mais lindo do mundo, dirigido a mim.
-E esse é o melhor e mais importante presente que você poderia me dar. O que eu sempre quis e sempre quero é isso: seu amor.
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Não "de", mas "para"
RomanceEu Sou paciente, mas você não pode nem imaginar o quanto eu anseio por você me encontrar.