Seguida desta memória, me veio uma outra:
Eu estava tentando cozinhar algo para meu marido, tinha visto um prato na internet que parecia simples e delicioso, embora eu nunca tivesse tentado nada parecido, o prato continha ingrediente que eu sabia que ele gostava, então me sentia esperançosa e empolgada.
Comecei faltando duas horas para sua chegada, segui os 5 primeiros passos a risca, e estava no sexto, eu precisava deixar no fogo por uma hora e meia . E assim fiz. Coloquei com todas as preparações e apetrechos a primeira tentativa do prato dentro do forno. Fechei a portinha. E pensei "bom, tenho meia hora livre... o que devo fazer pra passar mais rápido?" fiquei um tempo pensando... eu havia finalizado a limpeza da casa ontem, havia passado as roupas que ainda faltavam ante-ontem... a lista de tarefas domésticas estava feita, então, eu poderia muito bem pegar algo da lista de coisas que eu gosto de praticar.
Então, fui terminar uma pintura que havia começado, era de muitas crianças brincando, uma imagem com a qual eu vinha sonhando há alguns dias.
Preparei as coisas e me sentei de frente para o cavalete, com o celular ao lado, mas posicionado num espaço seguro, devidamente preparado para apitar 2 minutos antes do tempo que a receita havia me pedido para tirar o prato do forno, para que eu fosse mais adiantada até o forno.
O pincel e meus dedos se entendiam super bem, como amigos de infância, pintei as roupinhas da menina e do menino que apostavam corrida, os cachos esvoaçantes da menina que brincava no balanço, a rosa que um menino entregava a uma menina e os olhos esperançosos da garota que recebia, as folhas dançando ao redor deles como ornamentos sustentados por fios invisíveis, a menina sentada na árvore olhando para o menino que se esforçava para subi-la e chegar à garota... todos os detalhes que pude, até o despertador tocar.
Fui no estado em que estava mesmo para a cozinha, e com a ajuda das luvas protetoras, tirei do forno uma bela travessa de... comida queimada? como assim? minha indignação não cabia na casa. Como aquilo podia ter acontecido?
Chequei a receita de novo, o quinto passo era: deixar uma hora e meia no forno. Eu tinha acertado o tempo. Mas então, olhando mais pra cima, vi que os outros 5 passos estavam diferentes do que eu me lembrava. E os ingredientes também... O céus! estava tudo mudado, a receita estava toda diferente! com o indicador, passei a tela para o lado esquerdo, esperando entrar no menu, e então achei a receita anterior... a receita que eu tinha começado a fazer, e, segundo ela, eu devia ter deixado apenas meia hora no forno.
De alguma forma, enquanto eu lia, eu havia rolado sem querer a tela para a receita seguinte, e posto o tempo de outro prato naquele. Só podia ser brincadeira...
Eu nem sabia direito o que queria fazer comigo mesma, se ela sentar e respirar fundo e dar uns bons socos num travesseiro, se era dar uma boa bronca em mim mesma, mas não fiz nada disso, eu tinha quase meia hora ainda, dava tempo de tentar algo mais simples com os ingredientes de que eu ainda dispunha no armário. Ainda dava pra fazer algo que ele pudesse gostar...e com esse pensamento limpei o que podia da cozinha e abri o armário, averiguando com atenção como eu podia combinar o que havia ali para transformar numa receita deliciosa.
Quando tomei a decisão, peguei as coisas de que precisaria e estava a ponto de colocá-las no balcão, quando o vi. Parado bem ali, estava meu esposo, arrumado, lindo como sempre, sorrindo daquele jeito que podia parar tudo no mundo, inclusive meu coração, que eu sentia que era mais dele do que meu. Meu esposo, que por alguma razão havia chegado mais cedo do que o previsto. E eu, que havia largado tudo no chão com o choque, suja de tinta nas mãos e na roupa, o rosto parte empalidecido com farinha e os cabelos preso num coque que fiz sem nem olhar no espelho.
Que gigante contraste.
-O que houve? - perguntou.
Engoli em seco antes de responder:
-E-e-eu... estava fazendo algo... quer dizer, tentando fazer algo que vi na internet e que achei que você poderia gostar, mas... por uma deslizada acidental... acabei praticamente fazendo carvão... desculpa.- confessei, esperando qualquer reação, menos a que ele teve.
Ele começou a rir, e não parava mais, teve até que sentar.
-Hey, pode não parecer mas eu realmente pus esforço nisso aqui - disse, tentando me defender.
-Eu, eu , eu sei- disse ele, finalmente se acalmando- não estou rindo do carvão caseiro.
-Então do que?
-Estou rindo do jeito que você me contou e do fato de você parecer tão preocupada ainda...
-Bem... nem a refeição nem a surpresa saíram como planejadas e eu não tenho bem um plano B, então...
-Por qual razão você decidiu fazer essa receita?- perguntou ele, se levantando e começando a dar a volta no balcão.
-Eu vi na internet e tinha ingredientes que você gostava, e pareceu simples, então pensei em fazer uma surpresa pra você e tentar...
-Por que decidiu fazer uma surpresa pra mim?- ele estava chegando mais perto.
-Porque eu gosto de fazer surpresas, causa felicidade geralmente...
-Você queria me ver feliz?- ele estava chegando mais perto.
-Sim
Aonde ele estava indo com aquilo outra vez? qual a razão desse rodeio? Todas as respostas ali não seriam menos óbvias nem se eu usasse uma blusa com elas escritas.
-Por quê?-ele estava a apenas alguns passos de mim.
-Por que eu amo você, oras!
O sorriso dele aumentou. E ele me disse:
-E é isso o que mais importa. Você quis fazer algo por mim por me amar, e você deu seu melhor. E você sequer pode imaginar o quão feliz isso me deixa- disse, agora já cara a cara comigo.
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Não "de", mas "para"
RomanceEu Sou paciente, mas você não pode nem imaginar o quanto eu anseio por você me encontrar.