- Do something -

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Nunca fui muito ativa, muito embora já tenha ouvido muito das pessoas próximas a mim que quando boto uma coisa na cabeça eu não tiro. Elas não estão erradas, teimosia é um dos meus muitos defeitos.

Apesar dos pesares detesto tomar a frente em algo, ter que correr atrás do prejuízo, mas o que posso fazer? É parte da vida. Por isso sigo pelos corredores iluminados e abertos da editora Gondul, carregando dois capítulos impressos que provavelmente serão avaliados e mal aceitos de primeira.

Não sei como ainda mantenho meu contrato aqui. Minhas histórias quase sempre necessitam de revisão e dessa vez tenho certeza que vai precisar. Escrevi os dois capítulos praticamente de qualquer jeito, só para ganhar um pouquinho mais de tempo, não ficaram tão ruins quanto os que eu joguei fora, mas também não é o ideal. E eu vou terminar esse livro, nem que eu tenha que fazer minha inspiração ressurgir das cinzas ou pegar no tranco como uma máquina velha. As mixagens daquele produtor anônimo têm sido um conforto, mas apesar de trazer um pouco da minha força de vontade, não trouxe o amor e facilidade que eu tinha antes pela escrita.

Arrumo os óculos novamente que estavam frouxos e insistiam em escorregar pelo meu nariz — Minha tão querida armação redonda estava ficando velha —  e entro pela porta de madeira clara para conversar com o editor-chefe.

Soo Hwang Gi. Editor-chefe da Gondul e quem está cuidando da publicação do meu livro. Não há muito o que dizer sobre ele: é curto e grosso em seu discurso, gosta de tudo bem organizado e sua aparência de senhor simpático de meia idade não combina com seu jeito sério.

Me assustei quando ele me perguntou quando eu pretendia entregar o manuscrito completo e se eu já queria que eles contatassem um designer para a capa. Apesar do desespero e insegurança eu fui sincera e disse que não tinha previsão para terminar o livro, não queria me enrolar mais e perder esse contrato, mas disse que avisaria quando estivesse perto de terminar para acertarmos os detalhes finais. Para a minha surpresa ele entendeu e apenas me deu seu cartão de visita para ligar para ele quando necessário. Um pouco de sorte fará bem para a minha mente desregulada e confusa.

Me resumo a sair do prédio bem arrumado e andar pelas ruas agitadas com meu café recém comprado em mãos. Odiava sair de casa quando podia estar escrevendo, mas meu ódio sempre desaparece no momento que eu começava a andar sem compromisso pelas ruas de Seul. Observo as pessoas em seus próprios mundos, presas a uma rotina como qualquer outro, e me pergunto o que elas escondem por debaixo daquelas primeiras impressões. Sonhos, amores e incontáveis histórias que carregamos e escondemos todos os dias.

Me distraio vendo uma senhora varrendo a entrada de seu restaurante, imaginando sua história e o que ela tem a dizer. Todos temos algo a dizer, é um pensamento profundo, mas apesar de cada um ter uma voz não são todos que estão dispostos a escutar.

Quando ia voltar a seguir meu caminho para casa sinto um choque no ombro e minha primeira reação é largar o copo de café. Meu tão precioso líquido amargo acerta o chão e ainda molha a manga do paletó do rapaz que esbarrou comigo no percurso.

— Desculpa. — ouço sua voz se sobressair ao barulho da rua, mas eu só conseguia olhar para o copo de café esparramado que eu mal tinha bebido.

Não ia discutir com ele. Eu estava errada nos fim das contas e não valia a pena passar raiva apenas por um copo de café, mesmo que seja um café delicioso.

— Tudo bem, eu estava distraída. A culpa não foi inteiramente sua. — Me apresso para pegar o copo descartável e dar atenção à vítima que meu café fez. — Eu que deveria estar pedindo desculpas. Espero que não tenha se queimado.

Ele nega e me permito reparar em sua aparência. O cabelo escuro contrasta com a pele alva, ele parece formal com o terno — mesmo molhado — e o olhar sério completa a obra. Apesar de não aparentar estar zangado ele me encara como se eu estivesse atrapalhando algo, com tédio, mas presumo que essa seja uma característica sua. Seu olhar me intimida então eu me limito a ficar calada.

— Eu até te pagaria outro... Isso é café? — Eu assinto. — outro café, mas eu tenho hora e estou atrasado. Bom dia.

O rapaz passa por mim como um furacão. Vejo apenas ele correr apressado para o prédio alto a alguns metros. Ele não foi rude, mas poderia ter sido melhor, como nos livros, ele me pagaria um café e trocaríamos um agradável e memorável momento. Infelizmente a realidade é bem diferente do universo literário que eu tanto amo.

Pelo menos ele disse bom dia. Penso enquanto jogo o copo de café vazio no lixo.

•❈•

Aqui estou eu novamente, encarando a tela do computador. Depois de reler os dois capítulos que havia escrito eu decidi que ia sentar e escrever pelo menos mais um capítulo, no entanto depois de meia hora olhando para a tela em branco eu comecei a me arrepender de ter tomado essa decisão. Voltei a estaca zero. Arrumando os óculos frouxos no meu rosto eu me levanto, seguindo rápido até a cozinha pego a garrafa de vinho que foi aberta a pouco tempo.

Antes que eu possa começar a beber a voz da minha mãe surge como um aviso em minha mente. "Ha Na, não beba demais! Você é fraca para bebidas." Sempre ouvia isso dela quando começava a beber, mesmo que seja um mísero gole.

Desculpe-me mãe, mas agora é necessidade.

Vinho é sempre minha segunda melhor opção. adoro um bom café, mas se eu insistir em tomar a essa hora da noite vou ficar acordada por mais tempo que o necessário. Já basta a inquietação rotineira tirando o meu sono. Não me preocupei em pegar uma taça, a garrafa estava pela metade de qualquer jeito e não quero ter que me preocupar com louça. O vinho me aquece, afastando o vento frio que vinha da janela aberta.

Dou mais um gole na garrafa e olho para a rua lá em baixo. A vista do sexto andar é ótima embora não tenha nada belo tão próximo. O horizonte rouba toda a atenção e meu bairro calmo se torna pouco atrativo aos olhos, mesmo não sendo tão tarde as luzes da cidade deixam o céu escuro e ofuscam o brilho das estrelas. Para ser sincera creio que as estrelas não queiram dar as caras hoje e alegrar minha noite, o céu um pouco nublado ajuda a mascara-las e imagino que irá chover logo, por isso fecho a janela e me sento em frente ao computador esperando a chuva chegar na companhia do vinho e do silêncio em meus pensamentos.

Pensamentos tão nublados, mas que não se limitam a chover, não precipitam nem se libertam. Dizem que chuva é um mal presságio no mundo literário, me lembro de estudar isso na faculdade, no entanto agora, bebendo esse vinho doce só quero que ela chegue logo.

Por um momento apenas deixo de ligar. Eu só cansei de ficar parada, estagnada sem tomar atitudes, esperando a chuva chegar para algo acontecer. Então bebendo um grande gole da bebida eu entro novamente naquele site que se tornou tão querido, deixo a batida leve daquele arranjo inundar meus pensamentos e trazer a chuva.

Suga: há cinco minutos.

"Quero apenas ficar bêbado esta noite"

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