Tidal Wave

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O mar sempre me fascinou.

Se eu fosse parar para pensar, diria que sempre pertenci ao mar de alguma forma. Havia algo que me chamava, que exigia que eu fizesse meu caminho até ele. Eu poderia passar horas flutuando na praia, com a luz do sol ou da lua no meu rosto, sem me incomodar com a água gelada. Ou apenas sentada na areia, fitando o bater ora calmo ora violento das ondas, procurando as respostas para tudo que afligia meu coração nas águas.

Nasci em uma cidade chamada Astoria, no estado do Oregon, mas sempre vivi com meu pai em Cannon Beach, uma praia há 25 milhas dessa cidade. Morávamos só os dois numa grande casa à beira-mar e meu pai alugava quartos para hóspedes no verão e esporádicos surfistas corajosos nas outras estações. Nada estranho então, que o mar fosse parte tão importante da minha vida, já que cresci sempre em contato com ele, a cada dia da minha vida. No entanto, era mais do que isso. Era mais que respeito pelo mar, pelo lugar onde cresci e me aventurei, nadando na praia gelada, surfando, escalando pedras e colecionando conchas. Era quase como se as águas me enfeitiçassem, quer fossem lentas e cristalinas, leves como um carinho, ou cinzentas e furiosas, que podiam fácil e traiçoeiramente tirar as vidas dos que as ousassem desafiar.

Às vezes, no meio da noite, eu era acordada por um assobio baixo, quase uma canção, e sentia que os ventos sussurravam meu nome, incitando-me, provocando-me. O rugir da maré me chamava, fazia com que eu levantasse da minha cama e seguisse em direção às águas, os pés descalços afundando passo a passo na areia. Quando eu era pequena, meu pai tinha medo dessas noites, das noites em que eu era enfeitiçada pela magia do oceano, e, como tinha sono leve, sempre me ouvia levantar da cama. Lembro-me de que, em algumas vezes, ele me alcançava quando meus pés já tocavam as ondas, me carregava no colo e cantava baixinho no meu ouvido. Algumas vezes, eu lutava, arranhava minhas unhas na pele dele e gritava, querendo, exigindo, que me deixasse continuar. Em outras, eu apenas chorava, implorava para que ele me ajudasse, que fizesse aquilo parar.

Por que o mar me tinha sob um feitiço tão poderoso?

Quando fiquei mais velha, essas ocorrências se tornaram menos frequentes e, nas poucas vezes em que aconteciam, meu pai, já mais velho, nem sempre me escutava deslizar para fora das cobertas. Eu acordei várias vezes com o sol da manhã no rosto, encharcada, deitada em uma pedra na beira da água, sem saber como chegara ali. Em outras poucas vezes, eu acordava flutuando de costas na água, mas me sentindo tão protegida como se estivesse entre os braços de uma mãe, e não flutuando adormecida em mar aberto.
Meu pai não dizia nada, mas sei que se assustava com isso. Acho que tinha medo de acordar um dia e me descobrir afogada, o corpo sem vida sendo levado pelas águas.

Eu não me preocupava tanto. O mar era sempre bom comigo, gentil, cuidadoso. Eu sabia que nunca me faria mal e que eu nunca deveria temer suas águas que, para alguns, podiam ser tão perigosas.

As coisas mudaram quando eu conheci Keith Harvey, no meu último ano da escola. Eu estava fazendo meu último ano na Astoria High School quando o conheci. O ano letivo tinha começado há algumas semanas e ele tinha acabado de ser transferido de uma escola em Nova York, onde morava com a mãe. O que se ouvia nos corredores da minha escola - já que toda a pequena população estudantil da Astoria High School só parecia falar do aluno novo que estava para chegar - era que os dois tiveram várias brigas feias até que, na última, ela o mandou morar com o pai. Scott Harvey era um grande amigo do meu pai desde a época da escola, e eu já tinha ouvido os dois comentarem a respeito de Keith, sempre dizendo que era um garoto problemático e irascível.

Logo que o vi, percebi porque se referiam a ele assim. O garoto era alto, muito alto, magro e não muito musculoso, tinha a pele pálida de quem não costuma sair no sol e cabelos escorridos até os ombros, pintados de preto. Usava jeans pretos, folgados e rasgados, sujo em alguns pontos, tênis encardidos, camiseta preta com o nome de uma banda que eu não conhecia, casaco preto com o capuz levantado. Era quase um extraterrestre naquela pequena cidade litorânea, onde todos se vestiam com cores claras e tinham sempre um suave bronzeado na pele. No meu caso, não tão suave assim, já que eu passava todas as horas que podia sob o sol.

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