Acordei de repente, meus olhos se abrindo rápida e completamente. Eu estava flutuando de costas na água e o céu era azul escuro acima de mim, como no início da noite de um dia ensolarado, salpicado com mais estrelas do que eu já havia visto em toda a vida, refletindo um brilho fluido nas águas serenas. Eu abri e fechei meus braços enquanto flutuava, como alguém que faz um anjinho na neve, e me perguntei como era possível já ser noite. Era como se eu tivesse piscado e perdido um dia inteiro. A última coisa de que me lembrava era daquele sussurro calmo e seguro, chamando-me para o mar. Só me lembrava de mergulhar e me sentir tão confortável e aquecida, segura. E então, acordei.
Flutuando na água, fitando o céu mais estrelado que o mundo já viu.
Antes que as vozes e gritos começassem, eu não percebi a profundidade do silêncio em que estava envolta. Era um daqueles silêncios tão profundos que tudo o que você pode ouvir é a pulsação em seu ouvido, aquele silêncio que só existe quando você afunda tanto na água que o mundo lá fora desaparece completamente, e faz você sentir como se estivesse parada no tempo. Mas eu não estava embaixo d'água, eu estava flutuando na superfície. E ainda vestindo jeans e com tênis nos pés, percebi.De qualquer jeito, vozes alteradas vinham da algum lugar atrás de mim, interrompendo aquele silêncio absoluto, assustador e maravilhoso. Meio contra a vontade, virei-me e vi, bem ao longe, a praia, onde pessoas que mais pareciam pequenas formigas falavam alto e acenavam na minha direção. Eu não reconheci ninguém, até porque estava longe demais para enxergar seus rostos, mas presumi que meu pai estivesse ali. Então por que tanto alvoroço? Certo que eu estava mais longe da costa do que já estive de noite, sozinha e sem equipamento de mergulho, mas isso não era motivo para pânico. As águas estavam calmas, quase preguiçosas, e faziam cócegas em minhas bochechas. Mas talvez eu estivesse tão longe que não estavam me reconhecendo, afinal, passei anos sem aparecer por aqui e ninguém sabia que eu viria.
Com um suspiro mental, comecei a nadar de volta sem pressa, mas na metade do caminho percebi que haviam mandado dois homens para me resgatar. Parei, sem acreditar. Eles nadavam de forma pesada e lenta, porém eficaz, espalhando água e fazendo barulho. O mundo estaria definitivamente de cabeça para baixo no dia em que eu precisasse ser salva de águas calmas como aquelas. Aliás, se eu precisasse ser salva no mar de qualquer jeito, águas calmas ou não. O mais veloz dos homens se aproximou de mim o bastante para que eu o ouvisse dizer:
— Não se preocupe, moça, estamos chegando! Vai ficar tudo bem!
Como eles se sentiriam idiotas quando percebessem quem haviam se empenhado tanto em salvar. Quer dizer, se morassem na praia ou mesmo em Astoria, deveriam me conhecer. Mas quando o primeiro me alcançou e me segurou pelos braços abruptamente, eu percebi que não fazia ideia de quem eram. Os dois eram gêmeos quase idênticos, com cabelos ruivos pingando nos olhos e grudando em seus pescoços até os ombros. O que me segurava com uma expressão preocupada tinha olhos castanhos profundos e os do que se aproximou depois eram de um verde colorido e forte, como grama recém cortada brilhando ao sol. E essa era a única diferença que podia ver entre eles ali na água, sob a luz suave e constante das estrelas.— Você está bem, moça? — o gêmeo de olhos verdes perguntou, flutuando desajeitadamente em frente a mim. Como eu não respondi imediatamente, ele se dirigiu ao irmão. — Ela está bem, Bill?
— Não sei — respondeu o outro, olhando para mim com suspeita tingindo suas feições. — Ela não se afogou, mas está meio apática...você não é uma sereia, é, moça?
O que mais me deixou chocada é que ele de fato fez aquela pergunta seriamente. Ele perguntou mesmo se eu era uma sereia. E parecia estar esperando uma resposta.
— Err...não? — saiu mais como uma pergunta, talvez por aquilo ser tão esquisito que eu não tinha como me obrigar a dar uma resposta séria.
Os irmãos trocaram olhares e eu percebi que ambos fitaram minhas pernas através da água. Sério, eles fizeram mesmo isso. Que vírus da loucura atacou Cannon Beach enquanto eu estive fora? Meus jeans haviam colado na pele e o azul era quase preto sob a luz das estrelas. Mas, ao que parecia, ambos concordaram silenciosamente que aquilo não parecia uma cauda.
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Ocean Eyes
RomanceO mar me tirou quem eu mais amava, o menino com olhos da cor do oceano. Olhos de oceano que foram fechados para sempre. Mas eu não sabia que, ao mergulhar em águas desconhecidas, os veria novamente. História inspirada por cinco músicas do álbum Ocea...