2 - INTO.YOU

16 1 0
                                    

Seis meses antes

A mulher entregou a prancheta cheia de lacunas e perguntas para assinar sem nem olhar nos olhos de Damian. Estava mais interessada na tela do computador de forma fria e calculadora. Damian olhou os outros meninos sentados atrás dele no saguão da Into.You e ficou imaginando se eles não tivessem tido a mesma recepção "calorosa".

- Eu vou tirar uma foto sua, você pode olhar pra câmera, sim? Se não quiser olhar direto, tudo bem, mas eu preciso tirar.

Damian olhou diretamente para a câmera pregada a tela do computador. Ela parecia ser uma cobra eletrônica e viva sindo de um buraco para arrancar seus olhos. Mas a coisa toda meio que parecia meio improvável. Aquelas pessoas que trabalhavam ali, que o observavam agora mesmo, precisavam dos olhos dele no rosto. Não tinha como ele conseguir trabalhar ali sem olhos nenhum.

- Agora é só aguardar.

Ela indicou que ele se sentasse em um dos bancos lotados de meninos. Louros, morenos, negros, asiáticos. Damian sabia que o penúltimo menino na ponta provavelmente tinha tingido o cabelo, mas isso demonstrava o quanto os magnatas queriam um diferencial - também demonstrava o quão longe eles estavam dispostos a ir.

Do lado esquerdo da fileira de bancos, dois meninos conversavam efusivamente. Um moreno e um asiático. Estavam falando sobre a empresa com uma normalidade que se pega por alguém no meio da rua achariam que eles eram apenas alpistas sociais tentando a sorte numa multi-nacional ao invés de estarem se entregando para a prostituição.

-...e mês passado você tentou de novo?

- Eu até tentei, mas tava um pouco acima do peso e eles disseram pra eu tentar na próxima vez.

- Caramba.

- É. Eu achei que teria que era balela ou que eles sumiriam do mapa antes que eu tivesse chance de fazer isso, mas vim correndo quando vi o anuncio na internet.

- Eu também vi esse. É o com o bichinha vestido de rena?

Olha o rosto deles, repetiu a voz de Giuseppe na cabeça de Damian. Eles tinham conversado por duas horas na noite passada antes dele dormir e ele simplesmente não conseguia esquecer a seriedade com que ele falara sobre o caso. Damian não estava levando a sério. Por que não estava levando a sério?

Um dos meninos tinha barba, mas o rosto do outro era tão polido quanto bumbum de neném. 

Giuseppe havia dito que os mais velhos eram mais propensos a chegar na empresa depilados. O que era meio irônico, por que os mais novos tinham pelos nos braços e no rosto. Deviam achar que a idade era tudo o que precisavam para poder passar pelo processo. Bem, a falta de idade deles era um motivo, disso Damian sabia. 

- Não, era o do homem vestindo uma cueca da Zorba. Ele era bonitinho, até, mas duvido que não tivesse passado uma noite aqui pra ir parar lá.

- Passar a noite aqui?

- É.

- A gente não pode voltar pra casa?

Bumbum de neném começou a rir.

- Mano, você sabe onde tá? É claro que você não vai voltar pra casa hoje.

Ele viu Damian prestando atenção na conversa e sustentou seu olhar.

- A gente não vai voltar nunca mais.

A julgar pelo silêncio que ficou depois, a maioria não sabia direito para quê tinha vindo. Damian olhou a porta em V no fundo imaginando quanto tempo levaria para a mulher fria no balcão chamar alguém para arrasta-los de volta para o lugar e bem quando estava fazendo isso, o portão se abriu revelando outro candidato. Esse era alto, com cabelo estilo Jacob-Neymar e ombros gigantes. Usava um alargador pequeno no pé da orelha e uma jaqueta verde musgo. Estava de bermudão como se fosse andar no calçadão da praia a qualquer momento.

- Bom dia, eu vim pra entrevista.

Ele fez aspas. A mulher nem sequer piscou na direção dele.

Ela tirou outra prancheta debaixo da mesa e entregou para ele. Depois começou a ajustar a cobra eletrônica.

O menino falou primeiro.

- Eu tenho mesmo que dizer minha idade?

- É o que tá escrito aí, não tá?

- Nossa, mas eu achei que não precisava - ele se inclinou no balcão. - Olha, eu vim indicado de uma sessão de fotos que fiz no centro e eles me falaram que se eu viesse aqui nessa empresa ia passar direto... Não tem mesmo como você não me fazer esperar que nem o resto desses... caras?

Se a mulher notou a forma estranha como ele se referiu aos adolescentes, não disse nada. Estava irritada demais para perceber, claro. Alguém tinha a obrigado a desviar os olhos pela primeira vez naquele dia.

- Não, você vai ter que esperar que nem todo mundo. 

- Mas eu ainda vou ser entrevistado, não vou?

Cara de bebê se meteu na conversa.

- Aí, ô estrelinha, todo mundo aqui tá esperando também. Tem um aqui que nem sabe direito pra quê veio.

- Cala a boca.

- Então você se importa de sentar que nem todo mundo? Ou isso é demais pra sua bunda de ouro?

O menino começou a se afastar do balcão e Damian achou que eles teriam uma briga. De novo, ficou esperando a mulher fazer algum sinal para os seguranças; não aconteceu nada.

- Eu só quero fazer umas perguntas. Não posso?

- Ela não me parece que sabe de qualquer coisa - disse o bumbum de neném. - Você sabe de alguma coisa, moça?

Ela balançou a cabeça.

- Senhor, você pode se virar pra eu poder tirar uma foto sua? E pode me dizer seu nome, por favor?

Ele parecia muito a fim de fazer o contrário. Olhou para Damian ao invés. Os olhos brilharam por um segundo. 

E então Damian sentiu que conhecia aquele olhar. Era o que Giuseppe fazia quando queria dizer alguma coisa sem na verdade dizer em voz alta. 

Damian pensou: outro infiltrado? ao mesmo tempo em que o menino se virou para a cobra eletrônica com um sorriso do diabo.

- William. Vê se não esquece de mim, tá benzinho?


INTO.YOU (Gay - Policial)Onde histórias criam vida. Descubra agora