Aterrou num chão de cimento gasto e escuro devido à escuridão do local. Foi educadamente recebida por toda a gente daquela rua com encontrões seguidos pelo indiferente silêncio de todos.
Ate tentou andar por aquele mar de gente, mas o número de passos que dava não dependia dos seus pés e sim dos pés do outros, que por sua vez dependiam dos outros para que se movessem, mesmo que não fosse para onde eles deveriam ir, (apesar de ninguém ali querer realmente chegar a algum lado) tudo isto num enorme ciclo de dependência de pés no meio da rua, todos dependentes do único par de pés independentes que por aquele chão desgastado por solas pisava.
Quanto mais andava, menos pessoas havia nas diferentes ruas que pareciam todas iguais; o chão também foi parecendo cada vez mais fraco, até que só restou a Rapariga e uma folha de papel cinzenta e arranhada por de baixo das solas dos seus sapatos que se foi desfazendo à medida que dava os seus passos, o que a fez correr pois tudo atrás dela ia-se desfazendo, restando o chão que tinha à frente, que por fim também desapareceu com as montras das lojas preenchidas por manequins mais humanos que a própria Rapariga.
E no chão por de baixo do chão de papel apenas viu sombras originárias da escuridão do local misturadas com os débeis e negros raios de sol que atravessavam o papel estraçalhado.
Eram muitas sombras, tantas sombras que se tinham de atropelar umas às outras para não serem excluídas dos braços enormes e calorosos daquela escuridão iluminada a negro; até começaram a chocar contra a Rapariga, que nem sombra era.
E assim foi voltando aos poucos a ser empurrada, desta vez sem fazer esforço algum para mexer os pés, deixando-se ser levada, sombra após sombra, para lugar nenhum.
A cada colisão a Rapariga ficava mais presa ao chão recheado das sombras filhas dos retalhos de penumbra, que lhe foram engolindo os pés e de seguida as canelas, as coxas, a cintura... até aquilo lhe chegar à ponta dos olhos, devorando-a por completo.
Começou a mover os pés à sua nova maneira escura, andando por ai a dar encontrões às outras sombras enquanto recebia embates das mesmas. Quanto mais batia mais apanhava e mais rápido movia os pés em direção ao nada, que a ia asfixiando aos poucos; não... não era o nada que a asfixiava, o nada não gosta de negro, eram as sombras, algumas delas há pouco tinham-na envolvido no seu manto, transformando-a em mais uma sombra que facilitava o trabalho das outras tendo também as suas mãos ao pescoço a empurrarem-no com o resto do corpo para uma área do chão com linhas largas e mais negras que o negro, todas retas tirando a circular.

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A Rapariga das Portas Pintadas
FantasyA Rapariga sempre esteve no escuro. Sentada. De joelhos ao peito. No escuro. Sempre foi assim. Até que o sempre tornou-se o nunca e as luzes acenderam-se. Depois, anda pelo corredor até deparar-se com linhas em cima de linhas que formavam desenhos...