Corda azul

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Ok, agora estava sentada numa cadeira de pedra.

Era um parque bonito com árvores e rosas roxas por todos os cantos, havia um lago ali perto e uma única mesinha de pedra e musgo com 2 cadeiras imóveis do mesmo material (o que incluía o musgo).

À frente da Rapariga estava uma jovem de cabelo encaracolado atado e inclinado ligeiramente para o lado e com um vestido de bailarina roxo e... botas de cabedal, o que era um pouco contraditório dado o vestido de bailarina.

Entre a Rapariga e a Bailarina estava um tradicional tabuleiro de xadrez de uma partida que, aparentemente, já tinha começado e que a Bailarina, que tinha as peças negras, estava a ganhar.

A jovem, de cotovelo apoiado na mesa, fitava impacientemente a outra, como se esta não tivesse caído quase de para-quedas numa cadeira de pedra e musgo no meio de um parque roxo onde estava uma miúda qualquer a jogar xadrez contra ela.

Mal a Rapariga moveu o cavalo para a direita este já estava a ser atirado para a relva, levando-a consigo para uma sala azulada em que uma jovem estava encostada à parede em frente à porta e com a pistola apontada para a frente e poucos segundos depois ela viu-se a entrar, a desviar-se de uma bala certeira e a atirar uma seringa à veia da outra, que logo caiu desmaiada no chão, tal como quase ficou a Rapariga quando voltou ao jogo de xadrez que nunca tinha deixado para trás.

Posicionou uma das suas torres num quadrado negro perto da rainha da Bailarina, que de seguida o atirou na mesma direção que o cavalo que na relva já não estava, assim como a Rapariga que no segundo seguinte estava a um canto da sala azulada a ver-se a cortar a roupa da jovem que agora estava deitada em cima da mesa cinzenta ; a faca de vidro cortava-lhe ao meio a roupa levando a pele também consigo.

Começou pelas mangas da camisa, seguiu para as pernas, a barriga... manchando de um vermelho espesso e brilhante o vidro e os pedaços de tecidos cortados da jovem, estes que começaram a parecer-se com quadrados brancos e preto do antiquado tabuleiro de xadrez.

E lá estava a Bailarina, mais uma vez esperava que a outra jogasse, com ar de pouca esperança... não... talvez um ar calmo... talvez, mas ela não tinha ar nenhum, provavelmente nem respirava o ar que a Rapariga achava que estava em volta delas.

Mexeu o seu modesto peão apenas uma casa para a frente e de repente ele também foi brutalmente atirado para a relva pelo dedo da bailarina que a conduziu como uma simples peça de xadrez de volta à sala azulada e agora também bastante vermelha e vidrada com alguns vincos aqui e ali no plano de visão da Rapariga.

Apesar de o vermelho também estar já muito presente, nada superava o azul das cordas que cosiam os rasgos dos pedaços de tecidos cor de pele das pernas, dos braços e da barriga da jovem... e também do peito, que estava totalmente em retalhos principalmente vermelhos e brilhantes e de retalho em retalho a Rapariga ali à frente da outra Rapariga encontrara o maior dos retalhos, este que foi cortado ao meio com menos delicadeza.

Dividiu-o em duas belas e distintas partes encarnadas e coseu-o com aquela corda azul, assim como fez aos outros pedaços de tecido cor de pele e vermelho espesso e brilhante, estes que se transformaram aos poucos riscos delicados e tingidos de roxo que formavam uma das muitas rosas alimentadas da escuridão levemente iluminada daquele jardim.

Desta vez nem teve tempo para jogar, o tabuleiro já estava completamente diferente e a única coisa que a Bailarina teve que fazer foi atirar o rei da Rapariga para a relva que a sugou para aquele local azulado e vermelho.

Agora só estava lá ela e a outra jovem. Vislumbrou os seus retalhos suavemente torturados, alguns cor de pele e outros roxos; observou o seu cabelo encaracolado atado e inclinado ligeiramente para o lado; observou os seus pés e reparou nas botas de cabedal; olhou para cima e viu restos de um vestido de bailarina.

Voltou ao parque. Não via linhas largas e negras, todas retas tirando a circular; apenas viu a Bailarina com um sorriso vitorioso no rosto. Levantaram-se, deram um aperto de mão e a rapariga andou e andou e de tanto andar viu-se no meio do luminoso corredor de infindáveis paredes brancas que por um segundo fizeram-na parar de pensar na corda azul que viu no pulso da Bailarina.

Andou até reencontrar as suas portas que agora estavam pintadas e meio abertas, exceto, claro, o meio de porta, que continuava intocavelmente branco e com as suas linhas largas e negras, todas retas tirando a circular.

Escalou pela areia branca e pela água cortante da primeira porta até chegar à majestosa segunda porta e subir desta para o cinzento espelhado que era seguido pelas sombras situadas abaixo do papel arranhado e após essa escalou a simplória porta roxa, para finalmente chegar ao pedaço de porta situado lá ao de cima das paredes sem teto.

tocou no círculo negro que serviria de maçaneta, olhando diretamente para os seus olhos invisíveis.

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Viu-se novamente no meio do corredor branco. Olhava em volta mas só via branco. Branco. E mais branco.

nunca vira o corredor tão pálido e tão iluminado.

A rapariga sempre esteve na luz. Em pé. A andar por ai. Na luz. Sempre foi assim. Até que o sempre tornou-se o nunca e as luzes apagaram-se.

Isto, claro, ainda ao som do nem tão amado violino com a corda cortada.

A Rapariga das Portas PintadasOnde histórias criam vida. Descubra agora