18 DE DEZEMBRO DE 1991 - CEMITÉRIO

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A paisagem era excessivamente branca, criando um contraste melancólico com todas as pessoas trajando preto. Um choro silencioso dominava todos que cercavam as duas lápides reluzentes recém-colocadas, com exceção dos dois Stark ainda vivos. Avril estava à frente do pai, ainda reclamando mentalmente da quantidade absurda de camadas de roupa que sua babá lhe obrigara a vestir. A porcaria da touca que protegia sua cabeça estava bem em cima dos cortes que ganhara no acidente, quase dois dias atrás, mas sabia que se a tirasse – além de levar bronca de algum adulto – os olhares em sua direção se intensificariam, já que aqueles ferimentos e hematomas eram uma lembrança de que Avril também estava no carro. Todos comemoravam que a cadeira para criança salvara sua vida, mas nada do que falassem a fazia se sentir melhor. Seu olhar estava travado num amontoado de neve ao longe que lembrava um boneco, na tentativa de ignorar os olhares piedosos que as pessoas a sua volta lhe lançavam. Tony era o único que não a olhava.

O olhar do agora mais velho dos Stark não abandonava a lápide dos pais, sem saber ao certo classificar o que estava sentindo. A vontade de Tony era de sumir dali o mais rápido possível, mas parecia que o tempo não estava a seu favor. Parecia que estava há dias parado naquele lugar, e aquele vazio em seu peito apenas parecia aumentar. Alguma parte de si não estava conseguindo digerir o que acontecia, fantasiando que seus pais apenas tinham saído de férias e decidiram em um último momento deixar a neta para trás, que nenhum acidente acontecera.

Quando o enterro terminara e as pessoas começaram a se dispersar, Tony logo girou os calcanhares para deixar o local. Não queria falar com ninguém. Queria sua casa. Sua família de volta. Nunca tivera um bom relacionamento com seu pai, mas isso não significava que não doía. Não importava se passariam o resto dos anos discutindo, ele só queria seu pai de volta, assim como sua mãe. Não queria mais ninguém repetindo que sentia muito, não se importava como os outros se sentiam. Sequer sabia como ele próprio estava se sentindo, não precisava dos sentimentos dos outros.

Sem que precisasse de instruções, Avril seguiu com seus passos curtos e apressados ao seu lado, mantendo o silêncio que começara desde a manhã anterior, quando acordara no hospital. Tony não conseguiu não se surpreender com a postura da garota: aquela mesma criança tagarela e que chorava por tudo estava quieta e inexpressiva, sequer marejados alguém havia visto seus olhos ficarem. Era difícil admitir, mas a garotinha parecia estar se controlando melhor do que o pai. Mesmo muito jovem, Avril era inteligente – uma verdadeira Stark. Tia Peggy havia sugerido não explicar para a criança o que acontecia, e ficou abismada quando Avril pediu que ela parasse de mentir e dissesse logo que seus avós não voltariam. Praticamente não se lembrava do acidente, mas tinha completa ciência do que acontecera. Desde então ela estava quieta, apenas deixando que seus olhos agora opacos analisassem o que acontecia ao seu redor, embora parecesse não ter mais interesse em nada.

Por isso Tony estranhou quando uma de suas mãozinhas agarrou o tecido de sua calça para atrair sua atenção.

- O que foi? – perguntou ele simplesmente, olhando para baixo para visualizar o rosto emburrado da filha.

- Tia Peggy está nos seguindo.

Embora não precisasse do aviso por saber que a mulher não o deixaria em paz tão facilmente, Tony se virou minimamente para trás, a tempo de ver Peggy a uns bons dez metros, conversando com alguém que ele não se dera o trabalho de guardar o nome.

- E?

- Ela quer que eu fique com ela – explicou Avril, ainda indiferente, mas algo em sua voz a entregara. Era algo bem sutil e ouvidos amadores nunca notariam aquilo com tanta facilidade, mas havia uma leve irritação em sua voz. Quando Tony apenas ergueu a sobrancelha em resposta, ficou ainda mais óbvio – Não vou ficar com ela.

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