Silêncio...os mudos precisam falar...

69 6 0
                                    

---- Era um dia ensolarado, muito diferente dos anteriores que eram cinzentos e tristes. Era o dia que eu completava mais uma etapa da minha vida. Um dia antes tinha ido a minha antiga casa, desfazer-me das mágoas e pôr definitivamente um ponto final a um passado triste e amargo. Aquela casa foi construída pelo meu avô na década de 70, pouco depois da independência, e foi lá onde passei boa parte da minha infância e princípio da minha adolescência. Embora não quisesse, era inevitável esconder que aquelas paredes tinham história e que me diziam muitas coisas.

Entretanto, estava entusiasmado para aderir ao novo paradigma de convivência, de mudança, na minha vida. Já tinha completado o ensino médio, me tornado num homem e me preparava para a entrega dos diplomas naquele mesmo dia, a tarde.
Preparei-me, pus uma calça preta e uma t-shirt azul; uns ténis azuis, um relógio preto e uma fita branca que dizia: "a minha essência me livrará da caravana do erro".
Li e reli o discurso que daria, a pressão era tanta que aquilo tão pequeno não encaixava na minha mente. Olhei para o meu quarto, às folhas espalhadas, à lanterna da banca e disse pra mim mesmo: valeu a pena. Falei com alguém, pedindo que me protegesse, na altura não era cristão, nunca me tinha importado com isso, mas por algum motivo senti-me aliviado e com mais confiança depois te-lo feito.
Então, lá ia eu, com lágrima no canto dos olhos, não de tristeza, mas de felicidade pelo dever cumprido, apesar das dificuldades, dos maus-tratos por que tinha passado, sentido a flor da pele, das vezes em que o azar tinha exagerado, mas mesmo assim tinha uma força inexplicável e um desejo de honrar o meu avô e de orgulha-lo, esteja onde tivesse.

Depois de ter percorrido cerca de 5 km até a escola cheguei no local com todo cenário já montado, os protagonistas sentados em cadeiras especiais transparecendo claramente o nervosismo. Sentei-me junto deles e prestei atenção em todas as palavras que o director proferia. Quando chegou a minha vez de falar, as falas falharam por momentos, a voz escondeu-se e, quando saiu, soou trémula, esqueci que o papel do discurso estava bem na minha frente e, a única coisa que consegui dizer foi o que estava escrito na minha fita: a minha essência me livrará da caravana do erro. A seguir, agradeci a todos os colegas e professores, dediquei o diploma ao meu avô. Incrivelmente, as pessoas receberam essa mensagem como se fosse um grande discurso, não muito pela mensagem em si, mas por não ter sido ensaiado e vindo do coração. No momento, aprendi uma coisa que vou levando até aos dias de hoje: as pessoas preferem sempre o real e o verdadeiro, o simples e o humilde, sem Make up para agradar alguns. A festa foi boa, muita gente feliz, por instantes esqueceram-se de tudo, foi como se tivesse uma barreira na porta e os problemas do dia-a-dia não transcendessem dela, ficaram lá distante. Eu não sabia e nem sei dançar, fazia uma figura aparentemente triste. Não foram imensos os convites e quando assim aconteceu eu recusei-os todos. Uma jovem tomou coragem e já com os copos subidos a cabeça perguntou-me com um tom belicista: tu não bebes, não fumas, não danças, tu és mesmo homem? Foi uma pergunta retórica e conflituante, mas eu até achei graça apesar de não ter a respondido nenhuma palavra. É que, nos dias de hoje não fazer essas coisas é não estar na moda, não curtir a juventude. Aqui não seguir a caravana do erro é um autêntico atentado ao bom senso das pessoas (jovens). Mas nem esse episódio menos bom me tirou a alegria de uma possível vida melhor, essa que viria a tornar-se insegurança nos dias posteriores.

Já prestes a terminar a festa, encontrei-me com a Larissa, a menina de que eu gostava desde o primeiro ano do médio. Era comum, na altura, dizer-se segredos de anos no último dia de aulas, era quando todos tomavam coragem, em parte por saber que nunca mais viriam a pessoa todos os dias, e comigo não fugiu a regra. Foi então que, cheio de vergonha contei-lhe tudo, sem rodeios nem palavras bonitas, apenas disse. Ela ficou estupefacta claro, não porque “eu gostava dela”, mas pelo facto de que, mesmo com tantas coisas ruins acontecendo comigo, ainda existia espaço para gostar de alguém. Ela fez uma comparação em relação às plantas que crescem dentre as paredes e outros lugares impossíveis. Não achava que fosse esse tipo de homem e na verdade ela tinha razão. Fiquei admirado e sem reação quando ela disse que sentia o mesmo, teve uma elipse, por momentos o silêncio tomou conta de nós, mas eu sabia que ela me lia em silêncio. Tinha medo de fazer algo errado, eu nunca tinha chegado à essa perte, então não fiz nada. Não sabia eu, que fazer nada também é fazer algo. Fiz uma escolha que até hoje me arrependo. Aprendi uma lição naquele dia: nunca saberás o que acontece se não tentares, e a atitude, é o primeiro passo para conquistar quem ou o que se prentende. Depois da festa, pensei naquilo a noite toda, mas já não podia fazer nada. Mais tarde fiquei a saber que ela tinha ido à França onde se formou em moda e teve dois filhos.

Quanto a mim, depois do médio, tomei coragem e internei o meu pai num centro de realibitação para alcolátras, viajei para a capital procurando um rumo de vida diferente. “Na capital tem a universidade mais prestigiada do país e as oportunidades são maiores” pensava eu. Lidei com inúmeras dificuldades, de adaptação e de convivência. Não conhecia ninguém, pois a minha família toda é do interior. Eu vi tudo nessa cidade, vi com os olhos ver e de chorar. Eu vi mortes, violações, roubos, vi a corrupção ao mais alto nível, desde à padaria e hospitais à instituições estatais. Eu vi a terra cuspir as pessoas da forma mais severa. Afinal, há sempre alguém pior que nós, alguém mais pobre e mais sofredor. Os nossos problemas são bênçãos diante dos problemas dessas pessoas. Eu conversei com moradores de rua durante algumas caminhadas que eu fazia exporadicamente. Percebi que não conhecia o mundo real. Ali você é um “nada”, ao menos é assim que o mundo te vê. Você é um fidalgo, não tem nome próprio; e sobre o seu som de embalar, alí a música mais ouvida e que nunca sai da moda, é o zumbido dos mosquitos, misturados com o som dos grilos. Na rua, são poucas as pessoas que sonham, mas essas poucas, sonham em um futuro melhor, onde os batimentos dos seus corações soeem mais alto que as buzzinas de automobilistas frustrados, onde pessoas não ajudem para serem elogias, onde políticos não ajudem para vencer eleições, onde o cenário de pesadelo que vivenciam todos os dias não ganhe contornos de realidade e onde a palavra rua, seja apenas um substantivo comum, e não um lar para pessoas desligadas da tomada do mundo. Eu fiz parte disso, senti o desprezo de ser excluido socialmente a flor da pele. Lidei com uma grande opressão, como a que as mulheres sentem numa sociedade patriarcal. Não tinha palavras e os gritos de desespero me tinham abandonado.
Porém, depois de tantos acontecimentos tristes, coisas boas estavam prestes a acontecer, mas antes, lições serão aprendidas.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: May 13, 2019 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O desabafo de 5 paredesOnde histórias criam vida. Descubra agora