That's my boy

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— Papaiiii

Era o dia seguinte, sexta feira.

— Papai, acordaa

Havia chegado ao apartamento às quatro da manhã. Dispensou a babá que pernoitava cuidando de Hunter até que chegasse do trabalho. Seguiria sua rotina de tomar uma ducha rápida, beijar o filho adormecido e ir para os braços de Morpheu, mas Louis tinha lhe deixado uma mensagem perguntando se ele tinha chegado bem em casa e isso bastou para ficarem mais duas horas acordados.

— Vamos, papai, acorda!

— Hummm, não—resmungou o pai deitado de bruços, com a boca entreaberta, os cabelos emaranhados no rosto amassado.

Hunter cruzou os braços, pressionou os lábios franzindo o nariz e a testa. Furioso.

—Paiêêê! A-cor-da! AGORA! —bateu o pé

Harry abriu apenas um olho. Segurou a vontade de rir e agarrar aquela criaturinha revoltada que merecia umas boas mordidas.

—Nããão!—respondeu com sua rouca voz preguiçosa, puxando o travesseiro para cima da cabeça —Você não manda em mim!

O pequeno bufou.

— Ah é? Então eu vou morder você!

—NÃO, acordei!—  Harry rolou para o outro lado da cama e sentou. A mordida daquela criança era muito forte, era mais sensato perder aquela batalha —Vê? Acordado!

—Assim é melhor.—deu um sorriso sapeca de quem venceu—Agora anda, eu vou me atrasar pra escola! 

—Meu Deus, a escola!—  pulou da cama como um maluco desesperado—Como eu pude esquecer? Que horas são? Ô, porra! Por que caralhos a merda do celular não despertou, eu tenho que... Do que você tá rindo?

Hunter estava literalmente jogado no chão dando suas gargalhadas infantis. Harry esperava uma explicação daquele projeto de gente.

—Eu não tenho aula hoje, papai!—disse o pequeno espalhado no chão como uma estrela do mar – Hoje tem reunião de professores, lembra? A professora falou ontem pra você...  e você falou palavrão!—  já de pé ele apontou para o pai acusando sua boca suja.

—Seu pequeno tratante!—  colocou as mãos na cintura. Não fazem mais crianças como antigamente—  Como se atreve a pregar uma peça no seu pai? Você é um homenzinho morto!

— NÃO, PAPAI, NÃO!—gritou e correu para fora do quarto com Harry em seu encalço.

O apartamento era pequeno, tinha poucos moveis. Harry era adepto do "necessário, somente o necessário" e quando se tem criança em casa é melhor evitar coisas quebráveis, escaláveis e afins, até porque o que o filho tinha de arteiro o pai tinha de desajeitado. Nessas brincadeiras de pega-pega, que aconteciam com frequência, quanto menos moveis tivesse no caminho era melhor.

—Peguei você!—agarrou o garotinho pela cintura e segurou suas mãos, forçando-o a abraçar a si mesmo (como uma camisa de força) – Deixa eu provar o gosto dessa minha presa...

—NÃÃÃO!!! — ria e gritava tentando afastar o rosto do pai que deu uma generosa lambida na bochecha do filho — ECA! QUE NOJO!

—Humm, delicioso menino... —fez um ruído com a boca de quem saboreia algo delicioso. Hunter fez uma careta enojada e colocou a língua pra fora. Sem arrependimentos, Harry deu de ombros.

—Me coloca no chão, me coloca no chão!—fez um bico sacudindo as pernas freneticamente.

O pai atendeu ao pedido, deixando o filho no chão e sentou no braço do sofá, para que não ficasse tão maior que ele. Hunter passou as duas mãos seguidas vezes na bochecha lambida.

—Você não escovou os dentes ainda, papai! Cheira só a minha mão!—  inconformado ele ergueu as duas mãos.

—Ecath, não quero cheirar isso. E foi você que começou me acordando a toa. —cruzou os braços. Pareciam duas crianças com uma mínima diferença de idade.

—Mentira. Não foi nada a toa. É que eu to com fome e você ficava lá babando dormindo pra sempre. Aí eu ia morrer de fome e você afogado na baba.

Soltou o riso em um ronco nasal.

—Desculpe, senhor faminto — ergueu as mãos em rendição — Isso não vai acontecer de novo, valeu? — fez um joinha — 'Bora lá, eu escovo os dentes, você lava a mão e essa bochecha fedorenta e depois eu te alimento. — levantou — E espero que o senhorito já tenha escovado direito essas presas, meu rapaz.

Hunter olhou para cima, mostrando todos os dentes em um tipo de sorriso escancarado e depois abriu bem a boca, mostrando ao pai.

—Viu? Escovei tudo, ta brilhando!

—Impressionante! — iam os dois até o único banheiro do apartamento — Eu queria que você mostrasse essa dedicação toda na hora de tomar banho e fazer o dever de casa.   

Seria pedir demais. O pequeno Hunter, como qualquer garotinho de cinco anos, odiava tomar banho e fazia corpo mole na hora do dever de casa. Só gostava de escovar os dentes por causa da pasta que hora tinha gosto de morango, hora tinha gosto de uva (dependendo de qual tinha para vender no mercado). Harry já tinha sacado que o menino fazia mais comer a pasta do que escovar os dentes. Mas, pelo menos era um progresso nessa eterna batalha de manter a higiene e a educação do filho em dia.

E Hunter falou enquanto Harry escovava os dentes e ele limpava o rosto. Falou enquanto o pai penteava os próprios cabelos com cachos amassados, falou quando chegou a vez dele ter a juba amansada, quando Harry arrumou a cama, preparou o café da manhã, durante o café da manhã, pediu pela décima quinta vez no mês um cachorro, lamentou o desaparecimento de Bob, o gato laranja que eles tiveram por cinco meses até "desaparecer misteriosamente" (na verdade o bichano fora atropelado pelos adolescentes inconsequentes do prédio da frente quando voltavam bêbados de uma noitada. 

Harry omitiu esse fato para o filho, contando que Bob sumiu porque talvez tenha encontrado um grande amor ou alguma criança precisava mais dele), Hunter teve assunto enquanto eles arrumaram a bagunça que estava o quarto dele, falou quando arrumaram os patins e as proteções em um mochila e quando saíram de casa, rumo ao parque, ele ainda falava. E falou a manhã e tarde inteira que passaram no parque.

Se tivesse condições, Harry levaria o filhote a um psicólogo, apenas para entender porque Hunter tinha tanto assunto com ele e na escola era completamente silencioso. E mesmo que a professora contasse que ele não se enturmava com os outros amiguinhos e evitava muita interação quando era obrigado a fazer um trabalho em grupo, Hunter sabia descrever cada aluno de sua sala em detalhes minuciosos, tanto físicos quanto psicológicos, mas trocou pouquíssimas palavras com eles. 

Por motivos desconhecidos isso mudava na hora do recreio, quando Hunter se metia entre os alunos mais novos de outras classes. Aquela criança era muito nova pra já estar desenvolvendo uma crise de Peter Pan e, por outro lado, ele se dava muito bem conversando com adultos (os que tivessem paciência com crianças tagarelas e curiosas é claro). Simplesmente não fazia sentido para Harry essa implicância que o filho tinha com gente da mesma idade e adolescentes, que Hunter também não suportava.

Por enquanto, essa estranha introspecção de Hunter na escola não afetava o desempenho escolar dele. Era um aluno comum, com notas comuns. Nada muito alarmante. Já no parquinho, com outras crianças, ele nunca dava o primeiro passo para fazer amizade. Começava brincando sozinho, evitando lugares muito aglomerados e se alguém se aproximasse, Hunter primeiro analisava o individuo e nunca se podia prever se ele continuaria brincando ou sairia correndo, buscando proteção do pai, outro brinquedo vazio ou que só tivesse bebês até uns três anos.  

Our Little ShipOnde histórias criam vida. Descubra agora