NEW YORK, 31 DE JULHO DE 1989

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O soldado se aproximou do berço de madeira gasta sem o menor cuidado, sequer se importar se estava ou não fazendo mais barulho do que o aconselhável, já que sabia que o bebê estava acordado. Os olhos atentos de Dominik estavam travados em sua direção antes mesmo de ele aparecer em seu campo de visão. Bebê atento, pensou ele. Com certeza é ela. Não tinha o menor sinal de Valerik naquele quarto, mas ele sabia que estava certo. Conhecia aquela energia que a criança emanava, mesmo que não devesse reconhecer aquele poder.

Havia algumas coisas que os processos de lavagem cerebral não conseguiam apagar por completo, e aquela familiaridade com a essência de sua domadora era uma delas.

- Se afasta dela, Soldado – ordenou Valerik assim que entrou no quarto, fechando a porta com o pé como se nada estivesse acontecendo. Ela trazia uma sacola de papel nos braços, a jogando na cama e revelando seu conteúdo: um pacote de fraudas descartáveis e potinhos de papinha para bebê – Você não vai levá-la.

O Soldado a assistiu sentar na beirada da cama e retirar os sapatos, como se sua presença não a incomodasse. Enquanto recebia os detalhes da missão, lhe foi explicado que um dos alvos se tratava de sua antiga domadora, e de alguma forma ele se lembrava dela. A postura séria e ao mesmo tempo relaxada, os gestos calmos de quem sabia que as coisas seguiram o rumo que ela planejara, que só precisava ter paciência. Ao mesmo tempo que aquela mulher era uma estranha para ele, também era a única coisa familiar que tinha.

- Minhas ordens são para te executar – contou ele depois de quase uma eternidade em silêncio, tempo o suficiente para Valerik passar por ele e retirar o bebê do berço para alimentá-la, já que a coitada estava faminta – E você já sabe disso.

- Não planejo morrer hoje – retrucou Valerik com naturalidade, dando mais importância em como posicionava a filha cercada por travesseiros para garantir que ela ficaria sentada pelos próximos minutos. Dominik hora olhava para a mãe, hora para o homem estranho, uma leve ruguinha em sua testa vez ou outra aparecendo quando se concentrava mais na direção do homem. Ela estava confusa, Valerik logo pode notar. A menina podia vê-lo, porém não sentia sua presença, e isso a intrigava. Ela própria esteve naquela posição um dia, sem conseguir entender como podia ver alguém e não sentir sua presença. Era necessário tempo para adquirir tamanha precisão para sentir a presença de alguém aprimorado, nem Petr conseguia ainda.

- Ninguém planeja – respondeu o soldado, e Valerik se permitiu imaginar um resquício de sarcasmo em sua voz, apenas para deixar a conversa menos monótona. Mesmo quando ele ficava dias fora do gelo, tendo apenas sua companhia, era difícil conseguir arrancar dele alguma reação, e com certeza não conseguiria agora, já que ele fora tirado da hibernação provavelmente apenas para ir atrás dela.

- Você já deveria ter aprendido que as coisas só acontecem como eu quero, Barnes.

Mesmo para alguém não aprimorado, foi visível a mudança da postura do soldado, sua reação confusa a um sobrenome a que ele já não mais se associava. Valerik se esforçou para ignorar aquilo, fazendo um barulhinho com a boca para atrair a atenção da filha que olhava com curiosidade para o Soldado, também sentindo a alteração nele. Quando a mulher que fazia sua preparação, normalmente o deixava ciente do próprio nome, apenas para não ficar o chamando de Soldado o tempo todo. Ninguém mais além de Valerik se importava com aquilo, mesmo quando outro alguém passava por um longo período em sua companhia, e essa era uma das maiores acusações que recebia: humanizar demais aquele que não passava de uma arma. Ninguém de fato chegara a dizer isso em sua cara, mas ela sabia que era isso o que todos pensavam. Porém não era sua família importante que a protegia e colocava medo em todos, era Krigor. O homem tinha ultrapassado todos seus ancestrais no quesito de poder, indo além do que qualquer outro Ivanov tinha ido. Ele ainda não era líder da HYDRA, mas provavelmente estava mais perto do que Valerik desejava. Tudo que ele precisava era de tempo, já que os recursos estavam todos a seu alcance.

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