PRÓLOGO

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A noite estava tão fria que fui obrigada a me apertar contra o cachecol. Em uma sacola amarelada do mercadinho 24 horas Bart's, estava o meu objetivo daquela noite, uma ração premium para raças pequenas. Esperava que Kuma fosse gostar, afinal eu estava fazendo um esforço danado em me retirar de minha humilde residência em plenas nove horas da noite apenas para não o deixar com fome.

Aquele cachorro metido! Qual é o problema em comer a ração mais barata de mais cedo?

Passei a sacola para a mão esquerda graças ao peso. Me sentia exausta. O trabalho na biblioteca estava consumindo todas as minhas forças. Hoje subi e desci tantas escadas que mal sentia minhas pernas.

Não ouse reclamar, Jennie. Apenas agradeça por estar empregada.

Olhei para o relógio em meu pulso. Eram dez e meia da noite. Consequentemente, isso significaria chegar em casa mais ou menos as onze. Respirei fundo. Estava tarde e eu só queria a minha cama, mas ao invés disso, estava em uma rua mal iluminada e com os dedos congelando. Desistindo de reclamar, apertei o passo, vendo minha respiração subir em forma de vapor em minha frente. O som dos meus sapatos ecoava nas ruas, fora isso, o silêncio dominava. Entrei no beco treze da rua Portugas, aquele atalho era um adiantamento de quase dez minutos. Agora, ainda mais escuro do que antes, era difícil não se sentir levemente intimidada pela aura um tanto pesada do lugar. Tinha a sensação de que a qualquer momento um vagabundo pularia das sombras e me assaltaria.

Preciso me apressar!

Já podia ver a literal luz no fim do beco quando algo imensamente estranho aconteceu. Parei no meio no caminho, sentindo os pelos da minha nuca e braços se arrepiarem. Por alguns segundos, olhei para a parede a alguns metros a minha direita. O que vou descrever a seguir era a maior loucura que meus olhos já viram. Os tijolos sujos e envelhecidos daquela fria construção tremeluziram como se fossem feitos de papel, uma mão grande e negra passou por ela. A sacola do mercado foi parar no chão. Meus músculos se congelaram ao ver uma grande figura sair de dentro da parede. Ele era alto e largo, aproximadamente três metros de altura, vestia uma capa que cobria todo o seu corpo. Recuei, o escutando bufar como se fosse uma espécie de animal. Eu queria gritar até que meus pulmões explodissem, mas minha boca não se abria e minhas pernas não se moviam. A figura deu um passo à frente esticando a mão em minha direção.

— NÃO! — Repeti sem parar, fechando meus olhos com força para desejar que aquilo desaparecesse.

Escutei seus passos em minha direção, em seguida, um chiado estridente chegou até os meus ouvidos, acompanhado de um som semelhante a metal se esfregando. De olhos fechados, percebi que o ar havia sido cortado bem em minha frente, algo mole havia caído em algum lugar por ali. Abri os olhos, caindo no chão ao ver que agora havia uma terceira pessoa entre mim e a figura encapuzada. Prendi a respiração, vendo as mechas do loiro cabelo se agitando no ar. Nas mãos dela, uma grande espada vermelha brilhava com um liquido escuro. Ao seu lado, no chão, o braço peludo do monstro e grande jorrava sangue.

Ela o cortou!

Ela estava de costas para mim. Usava uma camisa de manga longa justa e uma calça jeans, ambas pretas, junto com botas de cano alto. A garota brandia sua espada para a criatura que gritava pela dor de ter seu membro superior arrancado.

— Atacando donzelas indefesas, Tauro. — Seu tom de voz era firme — Você já foi melhor, cara.

O manto da criatura caiu, relevando um grande par de chifres. Seu rosto e pernas eram idênticos as de um touro, mas seu peitoral era humano e cheio de pelos. O monstro se inclinou para frente, apontando seus chifres na direção dela, raspando suas patas no chão. Sentia minha cabeça e estômago girarem. Eu só podia estar sonhando.

— Cai dentro, vaca atolada. — A escuto dizer, ficando em posição.

O homem touro avançou rapidamente. Pelo incrível que pareça, a loira não fugiu, ela também avançou em direção a ele, correndo tão rápido que meus olhos se recusaram acreditar. A criatura ergueu o único braço que lhe havia restado, numa tentativa de acertar um soco na garota bem menor do que ele. Naquele momento, eu pensei que ela seria esmagada por aquele punho grotesco, mas eu estava errada. A loira desviou bem a tempo, jogando seu corpo para a esquerda, tendo assim uma brecha para atacar o monstro bem no peitoral. O sangue esguichou da ferida de aproximadamente noventa centímetros. Por conta da velocidade da corrida de antes, ele continuou a andar em minha direção, mesmo que lentamente, enquanto a garota colocava sua espada de volta na bainha, de costas para nós. Ele olhou no fundo dos meus olhos com uma mistura de dor e maldade. A figura urrou em plenos pulmões, me surpreendendo por ainda ter forças. O que eu não havia percebido, era que na verdade, aquilo era um grito de guerra.

— Você! — A voz da garota encheu meus ouvidos novamente — Mexa-se!

Mas já era tarde demais. A criatura avançou contra mim, perfurado meu estomago com suas garras. Minha garganta se fechou, eu não conseguia sequer gritar. A dor era intensa e se intensificou quando ele puxou seu braço de volta, fazendo o sangue quente ensopar minha blusa. Meus olhos giraram. Antes que eu pudesse cair de joelhos, uma linha cruzou a garganta do monstro, decepando sua cabeça, alguns segundos depois eu pude assimilar que na verdade foi a lâmina da garota a decapitar figura.

— Ei, ei, ei! — Antes que eu caísse, ela me segurou, me aproximando de seu corpo — Fique acordada, por favor.

Por mais que quisesse falar, eu não conseguia. Minha boca estava com gosto de sangue e minha visão estava turva. Meus olhos assistiram com dificuldade o corpo da criatura se dissolver em uma estranha mistura de fumaça e poeira. Revirei os globos oculares, numa tentativa de manter minhas pálpebras abertas. As mãos da garota tocaram nas minhas com delicadeza, me fazendo olhar para seu rosto. Ela era muito bonita, o que era quase um consolo para a as feridas que apreciam me rasgar de dentro para fora. As íris dela eram castanhas, elas combinavam com a aparência rosada de seus lábios.

— Eu estou aqui. — Ela sussurrou, apertando de leve minhas mãos.

Eu não queria morrer. Já sentia as lágrimas nos cantos dos meus olhos e o desespero enchendo meus pulmões.

— Ku..ma.

— O que? — Ela se aproximou para me escutar melhor.

— Filho...

— Você tem um filho? — Ela olhou para os dois lados, atordoada.

Eu não tinha forças para responder. Nem sabia o que se passava na cabeça dela no momento, mas a garota me olhou por alguns segundos, mordendo os lábios como se estivesse em um empasse.

— Marido ou namorado? — Ela perguntou, hesitante.

Neguei com a cabeça, apesar de não saber o motivo daquilo ser importante.

— Caralho, puta que pariu... — Ela começou uma série de xingamentos que prefiro nem citar e só parou quando me viu tossir sangue — Droga! Me desculpe. Esqueço que a resistência de vocês humanos não é das melhores.

Eu a encarei, um tanto cética. Não acreditava que morreria nos braços de uma garota que além de ter a boca suja, brandia uma espada e não se considerava humana.

Pelo menos ela é bonita.

— Já tomei minha decisão. — Ela diz, firme — A partir de agora, peço que não se preocupe.

A senti tocar em minhas feridas e a dor fez com que meu corpo se erguesse. Dessa vez, entretanto, era diferente, quase como se seu toque fosse uma espécie de formigamento e queimação. Minha garganta ficou seca. Graças a pressão dolorosa de sua mão, eu me sentia perdendo cada vez mais a consciência.

— O seu fim não será hoje, senhorita humana.

Hunter Angel | JENLISAOnde histórias criam vida. Descubra agora