canção do mar

468 72 21
                                    


Lembra quando eu disse que eu sempre acordava cedo como o jovem adulto nem um pouco convencional que eu sou? Pois é, pode esquecer disso, porque naquela manhã meu pai precisou me balançar pelos ombros para que eu enfim acordasse quase que em um salto por conta do susto. Eu fiquei preocupado, claro, porque deveria ajudar meu pai com a organização das mercadorias para ele levar para a feira livre da praça das artes da cidade, mas quando eu o vi nas roupas que costumava usar em casa acabei notando que, céus, eu tinha me atrasado mais do que deveria.

A desculpa do meu pai para que ele não tivesse me acordado era a de que ele sabia que eu estava cansado, fora que eu parecia estar dormindo muito bem, então me deixou livre dos trabalhos da manhã por saber que eu estava a um nível de exaustão nada saudável para um universitário. Por um momento eu até me perguntei como ele sabia que eu estava tão cansado assim, mas acabei me lembrando de que foi ele quem me mandou dormir na noite passada.

Eu não costumava dormir tão tarde, eu sempre me importei muito com as minhas horas de sono muito bem aproveitadas, mas durante todo o dia anterior eu só ficava pensando em como poderia surpreender Taehyung no dia seguinte. Sei que pode parecer bobo eu estar pensando tanto assim nele, mas também acho que seria impossível não o fazer depois do que eu acabei gastando em dinheiro só em comidas humanas demais para um tritão.

Ele só tinha me pedido para assistir um filme, este que eu até já baixei na Netflix do iPad que peguei emprestado do meu pai, mas eu não queria que ele só tivesse isso na oportunidade que teve de chegar mais perto dos humanos, sabe? E por isso mesmo acabei indo no mercadinho mais barato da cidade depois que saí da faculdade na tarde passada, aproveitando o restinho do dinheiro da bolsa que a faculdade me deu no mês passado, para comprar coisas bem humanas, o que se resume em alguns cup noodles de sabores diferentes, salgadinhos gostosos que eu comia muito na infância, sucos e chás que eu amava e até mesmo uma boa porção de kimchi de uma das senhoras tão bondosas do meu bairro.

Por conta disso, eu passei o resto da minha noite ajeitando tudo em uma cesta bonitinha, colocando uns docinhos aqui e ali também porque Tae tinha cara de quem gostava de doce, e quando eu estava passando fita no último pacote de balinhas de gelatina foi quando meu pai entrou no quarto com aquele olhar desconfiado, até porque não era normal eu não dormir cedo. Bom, o resto vocês já devem imaginar né? Dormi tarde embalado pelas ondas que pareciam brigar comigo por eu ter enrolado tanto para entrar embaixo das cobertas, descansei por mais tempo do que eu estava acostumado, e agora era um garoto de cabelos despenteados e coração a mil porque tava com medo de me atrasar para as aulas do dia.

Como a faculdade permitia que eu montasse meu horário, eu sempre deixava minhas manhãs livres, sabe? Assim eu poderia ajudar meu pai nas pescarias e com as mercadorias, conseguiria cuidar dele, fazer o almoço e até ir um pouquinho na academia do bairro, ou seja, acordar mais tarde não significava apenas que eu não tinha ajudado meu pai durante a manhã – esse cheirinho de queimado que eu to sentindo tá vindo da cozinha ou é impressão minha? – mas também que meu corpo parecia zero por cento preparado pra um dia de aulas e ensaios. Se não fosse por eu ter visto a cesta de comidas em cima da minha escrivaninha, acho que eu só teria me embalado mais nos lençóis e desistido do dia.

— Você quem fez o almoço? — perguntei desconfiado enquanto me sentava, fungando um pouco mais do cheirinho de queimado no ar antes de olhar para o meu pai que parecia rir com certa culpa.

— No começo fui eu, mas o ifood falou "Uau, vamos ajudar o Sr. Park!" e, olha só, temos Mc Donalds para o almoço!

Acabei rindo quando notei o seu olhar animado e braços erguidos para o céu, como se, na verdade, as forças divinas tivessem nome de delivery de comida e meu pai fosse muito agradecido a todas elas, o que era verdade em partes né. Neguei com a cabeça enquanto ria e afastei os lençóis, bagunçando um pouco mais os meus cabelos que já estavam um ninho de pombo antes de me levantar da cama.

o conjurador de marés | vmin / pjm +kthOnde histórias criam vida. Descubra agora